Cancelamento de 'Boy Erased' no Brasil é um desastre de marketing
Universal Pictures não está sabendo reagir à crise que ela mesma criou
Já é assinante? Faça seu login
Continue lendo com acesso ilimitado.
Aproveite esta oferta especial:
Oferta Exclusiva
6 meses por R$ 1,90/mês
SOMENTE ESSA SEMANA
ASSINE A FOLHACancele quando quiser
Notícias no momento em que acontecem, newsletters exclusivas e mais de 200 colunas e blogs.
Apoie o jornalismo profissional.
Não é raro que a estreia de um filme no Brasil seja anunciada e depois cancelada, sem maiores explicações. Menos ainda nos primeiros meses do ano, quando as atenções de boa parte do público estão voltadas para os indicados ao Oscar. Títulos de perfil mediano que não concorrem a nenhum prêmio costumam ser ignorados nessa época.
Esta é a justificativa que vem sendo usada para o sumiço de “Boy Erased – Uma Verdade Anulada” dos cinemas brasileiros. O longa de Joel Edgerton estava prometido para entrar em cartaz no dia 31 de janeiro. Já tinha dois trailers legendados no YouTube e pôster exibido em algumas salas.
Até que, no começo do mês passado, sumiu da lista de estreias do FilmeB, um portal especializado no mercado cinematográfico. O que não chegou a causar comoção: o site não é muito frequentado por quem não é profissional da área. Além do mais, filmes têm suas datas de estreia alteradas ou canceladas o tempo todo.
Até que, no domingo (3), um internauta perguntou diretamente à Universal Pictures no Twitter o que tinha acontecido com “Boy Erased”. O responsável pela conta da distribuidora respondeu apenas que “infelizmente, esse filme não será mais lançado pela Universal Pictures aqui no Brasil”, com direito a emoji tristinho.
Foi o que bastou para gerar centenas de protestos na internet. Os perfis da Universal nas redes sociais foram tomados por comentários exigindo uma explanação detalhada, e logo surgiu a suspeita de que algum tipo de censura informal estaria em curso.
Nem era para menos. O primeiro escalão do novo governo brasileiro tem uma notória inimiga da causa LGBT, a ministra Damares Alves. O próprio presidente já demonstrou algumas vezes, quando ainda era deputado federal, seu desprezo por homossexuais e afins.
Tampouco é segredo que algumas lideranças evangélicas estão ávidas por abrir clínicas de “cura gay” no Brasil. Um negócio que já foi extremamente lucrativo nos Estados Unidos, mas que vem perdendo terreno (e até sendo proibido em diversas cidades e estados) depois de inúmeras denúncias de maus tratos e abuso moral.
“Boy Erased” trata justamente de um caso desses. O filme é baseado no livro autobiográfico do mesmo nome, de Garrad Conley. Não deixa de ser uma peça de propaganda contra a proliferação das tais clínicas – que, além do mais, não têm nenhum respaldo científico.
Só que o longa foi um fracasso de bilheteria. Mesmo com nomes do quilate de Nicole Kidman e Russel Crowe no elenco, arrecadou pouco menos de oito milhões de dólares nas salas americanas, o que é bem pouco. Também recebeu poucas indicações para prêmios importantes, e foi totalmente esquecido pelo Oscar.
Depois que a polêmica já comia solta, a Universal Pictures anunciou que “Boy Erased” será lançado diretamente em “home video” no Brasil – um termo que nem se adequa mais à realidade do mercado, pois, na era do streaming e do sob demanda, os DVDs estão em extinção. Mas não definiu data alguma.
E, com isto, a distribuidora prolonga a pequena crise de relações públicas que criou para si mesma. Seus executivos não souberam perceber que o clima vigente no Brasil propiciaria um imbróglio como este. Tampouco contaram com a reação furiosa da internet – que pode não ser representativa da real intenção do público espectador, mas faz bastante barulho.
A Universal tem que disponibilizar imediatamente “Boy Erased” nas plataformas de VOD. É a única maneira de apagar a suspeita de que o governo, ou alguém ligado a ele, exerceu pressão para que o filme fosse barrado no Brasil.
Enquanto isto não ocorrer, nenhuma explicação de fundo econômico vai colar.