Thiago Stivaletti

Um homem bonito pode seduzir uma família inteira?

Provocação lançada pelo italiano Pier Paolo Pasolini há mais de 50 anos influenciou três filmes e uma novela nos últimos tempos

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Terrence Stamp no filme 'Teorema' (1968), de Pasolini - Divulgação

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Um homem bonito chega sem muito aviso à casa de uma tradicional família conservadora. Seduz a filha, o filho, a mãe, o pai e até empregada. Esta é a sinopse de um dos filmes mais radicais e provocadores da história do cinema: "Teorema" (1968), do italiano Pier Paolo Pasolini.

Não será apenas coincidência que, nestes tempos conservadores, três filmes (os britânicos "Saltburn" e "O Intruso" e o francês "Misericórdia") e uma novela no Brasil ("Verdades Secretas 2") tenham feito releituras dessa história que implode a noção de família cristã.

Primeiro veio "Verdades Secretas 2", em que o modelo Matheus (Bruno Montaleone) seduziu toda a família do empresário Lorenzo (Celso Frateschi) –além dele, a estilista Betty (Deborah Evelyn) e os filhos Giotto (Johnny Massaro) e Irina (Julia Stockler). Pena que a cena da revelação é tão ruim que viralizou nas redes, com os quatro membros da família se debatendo pelo bonitão.

Dos filmes, o mais visto até agora foi o britânico "Saltburn", no Prime Video. Oliver (Barry Keoghan) é um estudante de Oxford que veio de baixo e finge ser quem não é para ficar amigo do mauricinho Felix (Jakob Elordi). O desejo maior é pelo amigo, mas ele também seduz a irmã e encanta os pais de Felix, levando todos à ruína. É um filme de pegada bem mais pop do que "Teorema", mas a dissolução da família tradicional (e rica) está lá, todinha. A cena final (sem spoiler) também viralizou nas redes.

O IMIGRANTE SUBVERSIVO

Nesta semana, São Paulo e outras cidades terão sessões especiais de "O Intruso", do canadense Bruce La Bruce, diretor que bombou a partir dos anos 90 com seus filmes cheios de ousadias sexuais. No novo trabalho, ele usa o plot de "Teorema" para cutucar a nova onda conservadora que gera uma fobia contra os imigrantes, na Inglaterra e outros países.

Um desses imigrantes, vivido pelo performer erótico Bishop Black, sai um dia de dentro de uma mala à beira do rio Tâmisa, em Londres. Dirige-se a uma casa, seduz a empregada queer e depois toda a família, em cenas bem ousadas de sexo com cada um deles. Claramente, a provocação do filme em 2024 tem bem menos efeito do que em 1968. Mas ele vale pelo comentário demolidor contra os xenófobos.

Por fim, o francês Alain Guiraudie, mais conhecido no Brasil pelo suspense gay "O Estranho do Lago", lançou este ano "Misericórdia", que também bebe na fonte de Pasolini. O jovem Jéremie retorna à pequena cidade do interior onde nasceu para o enterro do seu antigo patrão.

A viúva o convida para ficar um tempo na sua casa antes de voltar a Paris, e ele começa a andar com o filho dela, um antigo colega de escola, um rapaz claramente homofóbico. Depois que um crime acontece, muitas pessoas à volta de Jéremie começam a manifestar um inesperado desejo por ele, incluindo a viúva e o padre da cidade.

Se essa nova leva de filmes "teoremianos" não foi combinada, por que será que a história da implosão familiar criada por Pasolini há mais de 50 anos ainda estimula cineastas e autores de todos os cantos do mundo?

Talvez porque o mundo esteja tão careta que uma história que coloca o sexo e a sedução como elemento subversivo ainda seja importante para chacoalhar um pouco as coisas. Afinal, a família conservadora é o núcleo principal das sociedades conservadoras, cada vez mais próximas da extrema direita em diferentes países.

'O Intruso', de Bruce LaBruce: Sessões especiais neste final de semana nos cinemas de São Paulo, Rio de Janeiro, Niterói e Brasília

'Saltburn', de Emerald Fennel: Disponível no Prime Video

'Misericórdia', de Alain Guiraudie: Estreia em janeiro nos cinemas

'Verdades Secretas 2', de Walcyr Carrasco: Disponível no Globoplay