A Globo promoveu punição exemplar a Cara de Sapato e MC Guimê por importunação sexual a duas participantes do BBB 23, uma delas visitante internacional, Dania, vinda do México, que se comunica com dificuldade dentro da casa pela diferença de idiomas.

Muito bem. A expulsão dos rapazes era necessária e sublinha um novo dia de um novo tempo, como ecoa a emissora nas bucólicas mensagens de fim de ano. Mas por que esperar pelo horário do programa em tempo real na TV para fazer o show ao vivo?

O que vale mais: o espetáculo da guilhotina ou a punição de fato? Não consta que a decisão tenha consumido 24 horas de discussões nos bastidores da Globo para ser efetuada só na edição ao vivo, que superou picos de 22 pontos de audiência em São Paulo, região com maior número de consumidores do país. São mais de 4,5 milhões de pessoas só nesse pedaço do país, segundo dados da Kantar Ibope Media.

O BBB 23 amargou a pior audiência média de sua história ao longo de seu primeiro mês no ar, embora superasse, ainda, os dados de 2019 no percentual que lhe cabe entre as TVs ligadas no horário. A expulsão de Guimê e Sapato inegavelmente dão uma chacoalhada nessa temporada ligeiramente insossa, e o impacto de um pito ao vivo, em rede nacional, seria muito maior, inclusive na reverberação trazida pelo Twitter, onde os assuntos mais comentados desde ontem são Tadeu Schmidt, BBB 23, Expulsão, etc.

Alguns dos anunciantes que se manifestaram publicamente, via Twitter, contra a atitude de Guimê e Sapato ao longo do dia, não se posicionaram sobre essa demora no anúncio da Globo ao vivo.

Podem dizer que as pessoas nunca estão satisfeitas: se expulsa o sujeito, não expulsou como deveria. Se não expulsa, passou pano. Pois é. Mas é preciso reforçar a tinta dos erros para ajustar os acertos de eventuais tropeços que surjam em outras oportunidades a seguir.

Dania disse que não se sentiu importunada pelos rapazes. Reconhece que todos beberam muito e, para ela, não houve más intenções.

Sapato lhe roubou o beijo que ela não consentiu, reconheceu, mas, para ela, não foi grande delito e tudo bem. A mexicana tampouco notou a mão boba de Guimê tentando passear por suas nádegas. Mesmo assim, Tadeu acertadamente anunciou a expulsão após exibir, só para os telespectadores, uma edição da festa com as ações que justificavam a decisão, e o depoimento de Dania no confessionário.

De fato era necessário que isso fosse feito em nome da educação ao telespectador. Ainda que o programa não tenha o compromisso de educar, é fundamental que não deseduque.

Os casos de Daniel Alves, detido na Espanha para averiguações sobre uma acusação de estupro, e de Robinho, condenado na Itália por estupro de vulnerável, aumentam a responsabilidade de qualquer canal de TV, plataforma, veículo ou tech com poder de produzir entretenimento e comunicação.

Mas se o público teve direito ao entendimento de todo o contexto, a produção deu um nó na cabeça dos participantes, ainda mais de quem não domina a língua local, como era o caso da principal personagem envolvida no assunto.

O espanto estampado na cara dos confinados denuncia que eles talvez só tenham se dado conta do ocorrido na hora em que as expulsões foram anunciadas. Dania ainda carregou o peso de se sentir culpada pelo desfecho que não buscou e teve de ser consolada pelos demais brothers e sisters na casa.

É natural que quem esteja no palco, sob o foco dos holofotes, não se dê conta do exagero cometido, ainda mais com a dose alcoólica que o programa oferece para aumentar os ânimos do circo ali promovido.

Com audiência inferior às últimas temporadas, o BBB 23 aproveitou o limão e fez não uma limonada, mas uma caipirinha com o caso. A fartura de álcool servida nas festas do reality show é um incentivo à perda de noção dos participantes. Faz parte da gincana, e cada um que cuide de si para não tropeçar na carência sexual e acordar de ressaca.

Na camaradagem de quem percebe o descontrole alheio, Aline Wirley e Bruna Griphao, ainda na festa, alertaram Guimê que ele estaria passando dos limites. Se Guimê estivesse em uma celebração fora da casa e houvesse o risco de dirigir, as meninas seriam aqueles amigos que sequestram a chave do carro para poupar a vida da pessoa --e de outras possíveis vítimas de um motorista embriagado. Não era o caso, mas ele não teve sobriedade para discernir o recado.

Para piorar o quadro, a Globo havia programado entrevista gravada há meses com Lexa, esposa de Guimê, para exibição no Lady Night de Tatá Werneck, exibido bem na sequência do BBB desta quinta-feira (16). Erro estratégico.

A saída dele, nessas condições, não era um risco previsível, mas era possível calcular que tudo o que ela tenha dito meses atrás sobre casamento pudesse esbarrar na participação do marido em um reality de confinamento que promove provas de resistência à fidelidade em tempo integral.