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'Pantanal', último capítulo: 'Não era uma disputa para superar a original, era homenagem mesmo', diz autor

Proposta de prestar tributo à obra do avô manteve Bruno Luperi fiel à estrutura do enredo

Paula Barbosa e José Loreto, Dira Paes e Marcos Palmeira, Camila Morgado e Irandhir Santos na novela 'Pantanal' (Globo) - Victor Pollack/Divulgação

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São Paulo

Mesmo tendo feito muitas mudanças de diálogos à pinça, atualizando detalhes referentes a tantas alterações de comportamento ocorridas em mais de três décadas, Bruno Luperi praticamente não mexeu nos desfechos promovidos pelo avô, Benedito Ruy Barbosa, na releitura de "Pantanal", que se encerra nesta sexta, 7, na Globo.

Guardadas as proporções dos avanços tecnológicos, a decisão passa pelo fato de que o neto não pretendia fazer nada inferior à produção original, de 1990, e tampouco superar aquela versão. "Desde o começo, quando ficaram apostando se essa versão seria melhor que a outra, nossa intenção era mesmo prestar uma grande homenagem à 'Pantanal' de 30 anos antes, e foi isso que fizemos."

O tributo se tornou explícito pela escolha da mesma música da versão original, apenas gravada na voz de Maria Bethânia, acompanhada das cordas de Almir Sater, outro ponto relevante da proposta de homenagem.

DNA DE CRAMULHÃO

Além de voltar à trama como chalaneiro e emprestar o filho, Gabriel, para o papel de Trindade, que foi seu na extinta Rede Manchete, Almir foi o grande anfitrião da equipe de produção e do elenco no Pantanal deste 2022.

Foi ele quem apontou que aquele pedaço era o mais adequado para as gravações, e até a casa de José Leôncio, vivido por Cláudio Marzo no original, e agora por Marcos Palmeira, se repetiu.

Aliás, um personagem que motivou a torcida da audiência por outro desfecho foi justamente Trindade, o peão que tinha pacto com o diabo e abandonou sua Princesa (Camila Morgado) grávida. O próprio Luperi me confessou que se soubesse que o casal teria tanta química, teria aproveitado mais o envolvimento dos dois, mas isso implicaria prazos mais flexíveis para as gravações, que tiveram largo expediente cumprido a céu aberto no próprio Pantanal.

Em 1990, Ruy Barbosa teve de tirar Trindade de cena, justamente porque o sucesso alcançado por Almir foi tão grande, que a Manchete o escalou para protagonizar a novela seguinte, "A História de Ana Raio e Zé Trovão", um folhetim itinerante comandado pelo mesmo Jayme Monjardim que colocou "Pantanal" no ar.

Agora, que a Globo não faria "Ana Raio e Zé Trovão", Gabriel Sater bem que poderia ter ficado mais um pouco em cena, mas paciência: cumpriu o mesmo destino do pai.

Esse foi só um dos pontos contestados pela audiência.

MACHOS EM DESCONSTRUÇÃO

Luperi também tomou a corajosa decisão de trocar a suposta castração de Alcides (Juliano Cazarré) por um estupro cometido por Tenório (Murilo Benício). A ideia era desconstruir dois homens moldados pelo machismo estrutural, já que para ambos, teria sido melhor morrer ou ser capado do que ser feito de "Flozô" por outro homem.

Restou a certeza de que a mutilação, em qualquer aspecto, seria evidentemente mais danosa, o que Alcides demora a perceber. Seu alívio psicológico não se dá à base de terapia, ou não da terapia que conhecemos. Bronco que é, Alcides ganha leveza após assassinar Tenório.

VOTO DECLARADO

Também esse Tenório é um ponto bem distante do Tenório de 32 anos atrás, vivido por Antonio Petrin, que já entrava em cena com cara de mau e postura de gente ranheta. A opção por Benício era mostrar que esse sujeito hoje já não guarda os rótulos de um vilão fisicamente asqueroso, muito pelo contrário: pode estar bem ao seu lado e parecer totalmente enquadrado nos padrões aceitáveis de simpatia. É até bonitinho.

Esse é o Tenório que hoje está bem ao nosso alcance, sem que você se dê conta das barbaridades que ele possa cometer, até vê-lo comentar qualquer coisa abominável. O autor avisou que se as pessoas se chocaram com essa personagem na tela, torturando a ex-mulher e o novo companheiro dela, cabe ver que se trata de ficção.

Temos, no entanto, gente de verdade fazendo apologia à tortura, lembra Luperi, e homenageando torturador em pleno Congresso, e mesmo assim sendo ainda bastante votado para o cargo máximo do executivo.

Por isso, que ninguém se engane: embora José Leôncio, personagem que destina a Marcos Palmeira todos os aplausos pelo patriarca dos Leôncios, trafegue entre os cuidados com o meio ambiente e algum conservadorismo de costumes, a essa altura ele estaria votando no antagonista do candidato que defende armas e garimpo em terras indígenas.

Por falar nos povos originários, nota-se que a nova "Pantanal" aprofundou a discussão ambiental, na mesma proporção em que este assunto tomou quilômetros de fôlego em relação a 1990, mas perdeu a oportunidade de abordar o descaso com os povos originários.

PLANETA ÁGUA

Em compensação, imagens reais de queimadas que vitimaram animais no ano passado, chocando o público pelos telejornais, foram perfeitamente inseridas em dois capítulos da novela, com o Velho do Rio (Osmar Prado) fazendo papel de bombeiro. A sequência foi uma das 10 mais comentadas no Twitter ao longo de todo o folhetim.

E Eugênio, o chalaneiro de Almir Sater, atola sua chalana num banco de areia e dali sai caminhando com águas nas canelas, ainda no penúltimo capítulo, mostrando como a região está carente de águas.

Em 1990, um dos motivos que levaram a Globo a desistir de realizar o projeto de Benedito Ruy Barbosa, foram as cheias dos rios, que inundavam parte do território, tornando as gravações mais complexas. Agora, a água vai rareando.

BRUACA, A ELEITA

Mas a grande personagem dessa versão, figura que mobilizou debates, hashtags e boas discussões sobre feminismo e o machismo estrutural, foi a Bruaca de Isabel Teixeira. Sem que seu destino fosse alterado em relação ao de Angela Leal, a Bruaca original, ela se sobressaiu ao encontrar uma plateia muito mais disposta a aplaudir seu crescimento e a conquista de autoconfiança.

Bruaca foi uma das três personagens mais citadas da novela no Twitter, ao lado de Jove (Jesuíta Barbosa) e Juma (Alanis Guillen).

APOSTA PAGA

Quando a Globo anunciou "Pantanal", ainda em setembro de 2020,, a pandemia ainda se impunha sob forte rigor, com uso de máscaras e isolamento, sem previsão de se arrefecer. Foi nesse contexto que cabia perguntar: se a Globo não fez "Pantanal" há 30 anos, porque encarar a missão naquele momento?

O estrondoso sucesso da novela, que levou a emissora de volta ao patamar de 30 pontos, saldo superado na última semana, reforça que a aposta vingou. Para muita gente presa em casa ainda na época da estreia da novela, em março, a produção soou como escapismo. Apesar de abordar temas muito atuais, a trama nos conduzia a um cenário que impunha ritmo contemplativo, desacelerando o espectador que se joga no sofá.

A boa audiência respondeu com a ocupação de todas as vagas possíveis de merchandising, e até Juma ficou perfumosa depois de trocar a tapera pelo casarão do sogro.