Carlos Tramontina, que deixou a Globo em abril, após 43 anos de casa, na mesma semana que Chico Pinheiro, comentou na manhã desta sexta-feira (26) a participação do amigo mineiro na equipe de estrategistas responsáveis pela sabatina de Luiz Inácio Lula da Silva no Jornal Nacional de quinta-feira (25).

Em debate ao lado dos jornalistas Fabíola Cidral, Josias de Souza e Maurício Stycer, também colunista da Folha, Tramontina fez uma análise técnica sobre o comportamento do petista no JN, mostrando as estratégias cuidadosamente estudadas por ele na ocasião.

"Ele continua dominando a arte de falar como poucos. Ele tem uma facilidade de encarar os temas e as pessoas. Aí ele olhava para o Bonner e dizia: 'Bonner, você...'; olhava para a Renata e 'Renata, você...' Ele tornou o Bonner e a Renata amigos dele, pela forma como ele se relacionou com eles naquele momento", disse o ex-apresentador do SPTV.

"Ele não demonstrou, em nenhum momento, raiva, ira ou tensão. Acho que isso pode criar uma empatia entre ele e as pessoas que estão em casa porque as pessoas estão cansadas de briga."

Tramontina observa ainda que Lula "falou muito para Renata, e ali havia uma câmera. Na prática, quando ele se dirigia à Renata, ele estava se dirigindo também às mulheres do Brasil." Souza reforçou a percepção do colega, lembrando o peso que o voto feminino ganha nessas eleições.

Stycer e Fabíola então provocaram Tramontina sobre a notícia de que Lula fora treinado para o JN por Chico Pinheiro, alguém que também conhece o outro lado do balcão e sabe como pensam os jornalistas na elaboração de uma sabatina, além de dominar o entendimento sobre o editorial da Globo, onde ele trabalhou por mais de 30 anos.

A participação de Chico na equipe de treinamento de Lula para o JN foi publicada pela jornalista Malu Gaspar em sua coluna no jornal O Globo e retuitada pelo próprio Chico em seu perfil no Twitter, sob a frase: "Ninguém treina Pelé". Procurado por esta coluna, Chico respondeu com uma figurinha do candidato Lula que anuncia "Beijo do líder". No sábado anterior ao JN com Lula, o jornalista esteve no palanque do petista no Anhangabaú, mostrando-se publicamente engajado na campanha.

"Nós, jornalistas, somos fazedores de perguntas previsíveis", reagiu Tramontina. "Partimos das coisas mais simples: 'por que isso acontece?' 'por que o senhor disse tal coisa e agora diz outra coisa?'. Todo assessor de imprensa consegue imaginar as perguntas que nós fazemos. O problema está nas respostas, quando o assessor muitas vezes diz ao candidato ou diz ao empresário: 'ele vai perguntar isso, por causa disso disso e disso, eu acho que o senhor deveria responder isso'. Muitas vezes, o empresário, o candidato ou o patrão não dá bola e não dá credibilidade ao assessor."

"Aí você chama um cara de fora", continua Tramontina, "que é experiente, que tem credibilidade, que é conhecido, que poderá dizer para este candidato ou para este empresário exatamente aquilo que ele não acreditava. O que a gente pode dizer a um candidato neste momento é como é que funciona o processo da comunicação no sentido de fazer com que ele se aproxime mais das pessoas pra que ele seja verdadeiro e seja convincente, coisas simples, como olhar olho no olho, ser afirmativo, ser ele mesmo, não ser um fantoche, não ser um mentiroso, isso muitas vezes funciona, nem sempre funciona."

Tramontina disse então que "o grande amigo Chicão Pinheiro adotou uma posição política pública", mas ele, "particularmente", prefere ficar distante dessa postura, sem ter nada contra os amigos que pensam e agem diferente. "Nunca fui ligado a partido político. Eu particularmente prefiro ficar distante. O Chico, com a experiencia que ele tem, de tantas entrevistas e conhecedor do espírito do telespectador, ele poderá entender como fazer o candidato se comportar."

Para Tramontina, Lula estava "muito seguro, estava à vontade, estava na casa dele" durante a sabatina no JN.

Chico Pinheiro não acompanhou Lula aos estúdios de sua ex-empregadora. Outro nome presente na equipe de Lula é o do jornalista Franklin Martins, que foi ministro-chefe da Secretaria de Comunicação Social do governo Lula, tendo antes também trabalhado para a Globo como comentarista político da emissora, no mesmo Jornal Nacional que recebeu o candidato petista nesta quinta.