Mulheres são maioria no set da série 'De Volta aos 15'
A diretora Vivianne Jundi fala sobre a conquista feminina diante e por trás das câmeras
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Série que ocupa a 4ª posição entre as produções de língua não-inglesa mais vistas do mundo hoje na Netflix, a brasileira "De Volta Aos 15" acaba de ser renovada para uma 2ª temporada, como divulgou a plataforma esta semana.
Mas além do protagonismo feminino de Camila Queiroz e Maisa Silva, a produção traz, em sua 1ª safra, um time de lideranças femininas por trás das câmeras, a começar pela diretora-geral do título, Vivianne Jundi.
Longe de ser um processo natural, a presença maciçamente feminina no backstage foi opção perseguida por Jundi, que participou da equipe de onze novelas, por onze anos, na Record, e sempre ficou em segundo plano nessa função.
"Sempre fui braço direito e esquerdo do diretor-geral, e uma hora resolvi sair porque ali eu não ia conseguir mais nada", conta ela à coluna, em entrevista por chamada de vídeo.
Atualmente ocupada com a montagem de seu novo filme, "Meninas não Choram", Vivianne não estará na 2ª temporada de "De Volta aos 15", o que não a impede de celebrar o sucesso da série. E comenta sobre o esforço de estender ao set a diversidade que vem sendo cobrada do setor do audiovisual, mas que muitas vezes se restringe à tela.
Credenciar diretoras, roteiristas mulheres, cenógrafas e diretoras de fotografia tem sido um processo mais demorado e hercúleo. Quando o foco é diante das câmeras, "De Volta aos 15" também se mostra majoritariamente feminina, além de trazer um negro no principal personagem masculino e de contar com um personagem trans que não estava no texto original.
Com seis episódios de 40 minutos cada, a série tem direção-geral de Jundi, produção de Carolina Alckmin e Mayra Lucas, da Glaz Entretenimento, e direção de Vivianne Jundi e Dainara Toffoli (cada uma dirige três episódios).
A série foi inspirada no livro homônimo da escritora Bruna Vieira, adaptada e roteirizada por Janaina Tokitaka. Rita Faustini assina a direção de arte; Fernanda Tanaka, a direção de fotografia; Carol Li, o figurino; Gabi Britzki, a caracterização; Valéria Ferro, a técnica de som; Anna Luiza Paes de Almeida, a produção de elenco; Marina de Medeiros e Symone Strobel são preparadoras de elenco; e as continuístas são Paula Mercedes e Florence Weyne. Todos os episódios da série foram montados também por mulheres: Maria Rezende, Joana Ventura e Mari Becker.
Feliz com o resultado, Jundi sublinha que tem especial encanto pela direção de atores. E nos conta sobre esse processo de longo prazo capaz de construir um olhar todo feminino em um produto audiovisual, terreno ainda dominado por homens, mas já em menor escala do que historicamente sempre foi, até bem pouco tempo atrás.
EQUIPE FEMININA
"A minha história na TV é que eu fiquei 11 anos numa emissora onde os líderes eram homens, 11 novelas e 11 anos, braço direito e esquerdo do diretor-geral. Uma hora, tomei a decisão de sair, porque ali eu não ia conseguir mais nada. Isso me fez pensar que quando eu fosse a principal diretora de uma obra, eu traria mulheres para os postos de comando."
LIDERANÇA
"As mulheres estão no set, mas poucas são líderes. Tivemos uma série gue trouxe essa oportunidade e se alinhava com o pensamento do canal [Netflix], que também queria que tivesse uma representatividade maior de mulheres e atores negros em cena.
Aí, já que a decisão poderia ser minha, eu fui buscar todas as chefias mulheres. O canal deu aval. As três montadoras são mulheres. A história da série é sobre uma mulher, as questões que ela viveu e deixou de viver, é uma história com uma mente feminina."
RESPONSABILIDADE É COM ELAS
"O que difere um pouco a mulher do homem é que a mulher se sente muito responsável e de uma maneira muito ampla. Não é só ir pra casa e relaxar. Ela vai pra casa e fica pensando, e a gente fica trocando [ideias] durante a noite, durante a manhã, são questões muito sérias tratadas com as roteiristas.
Eu não precisava chamar ninguém, estávamos todas na mesma redação, mesmo discordando várias vezes umas das outras."
PROFISSIONAIS SEM OPORTUNIDADES
"Há determinadas posições em que às vezes as mulheres não tinham espaço, como direção de fotografia. E como falta formar novas profissionais nessa área, também é difícil encontrar uma diretora de fotografia. Todas as propostas que me trouxeram inicialmente eram homens. Eu falei: 'Vou chamar alguém que está há 35 anos trabalhando como câmera. E vou fazer o que eu tenho que fazer pra que ela tenha as ferramentas adequadas, com tempo maior e um eletricista mais forte pra dar um suporte'. E quando a gente engata nessa luta, tem que ir até o final, não pode desistir no meio."
DE OLHO EM NOVOS TALENTOS
"Consegui colocar atores negros em lugares de protagonismo, não tinha descrição para isso no roteiro, e foi mais difícil, desafiador.
Vi uma menina vendendo água no Leblon, então soube que ela faz teatro na Rocinha e trouxe para o meu filme ["Meninas não Choram"]. Ela é incrível, talentosa, só que nunca tinha tido oportunidade de estar naquela ambiente de um set de filmagens."
CRISE NO AUDIOVISUAL
"Desmontaram todo um processo [Ancine], que demorou pra ser construído. Eu conheço alguns projetos de pessoas maravilhosos, prestes a filmar, que simplesmente foram engavetados, e de esse pessoal parar pra pensar: 'Como vai ser agora?' Aí veio a Covid e passamos um ano e meio com muita dificuldade econômica, nos unimos pra ajudar as equipes de base. Tinha gente que não conseguia pagar aluguel, gás... Foi muito duro. Eu estava organizada, em situação de privilégio, e não passei por isso, mas conheço muita gente que passou dificuldade."
AUTORAL X ALGORITMOS
"Agora, todos nós estamos trabalhando com streaming, o que é maravilhoso porque conseguimos mandar [a obra] pra fora, mas tem os algoritmos deles, diferentes de um longa de um diretor 'pensador': como seria [um mesmo projeto] com a Ancine? Precisamos começar a reconstruir esse espaço dos pensadores, que ficaram mais órfãos do que os executores, mas ao mesmo tempo estão trabalhando de alguma forma.
A gente realmente consegue botar séries lá fora, a gente ainda consegue entregar. Mas senti na pele também, apesar de o canal ter um respeito muito grande, que tem vários debates que a gente precisa levantar, uma coisa mais difícil de lidar. Eles [indústria do streaming] vêm com uma base de pesquisa muito grande, e as escolhas artísticas ficam restritas dentro dessa caixa."
TRABALHAR NA FRANÇA
"Adorei filmar em Paris. Conheci uma equipe francesa ótima. Eu já tinha filmado em Portugal, Miami e Itália, adorei trabalhar com francês porque eles são sarcásticos e eu adoro sarcasmo. A gente fez um trabalho muito completo e trabalhamos com um ator francês. Tinha que ter um ator em cena [obrigação imposta pela legislação a produtores estrangeiros]. Na Itália eu tive isso também. Há uma política de governo nesses países que protege o setor do audiovisual."
PREPARAÇÃO DE ELENCO
"O elenco recebeu muitas críticas positivas, e a preparação dos atores aconteceu em um momento superdifícil por causa das restrições do trabalho presencial durante a pandemia. Criaram uma forma online de preparação e depois fizemos pequenos encontros. O que os atores faziam muito era visitar o set pra ver o outro fazer."