Assédio moral e sexual no meio artístico é alvo de nova campanha
ONG Respeito em Cena reúne depoimentos de artistas de vários países da América Latina
Já é assinante? Faça seu login
Continue lendo com acesso ilimitado.
Aproveite esta oferta especial:
Oferta Exclusiva
6 meses por R$ 1,90/mês
SOMENTE ESSA SEMANA
ASSINE A FOLHACancele quando quiser
Notícias no momento em que acontecem, newsletters exclusivas e mais de 200 colunas e blogs.
Apoie o jornalismo profissional.
Será lançada nesta quinta-feira (25) a segunda parte de uma campanha pedagógica iniciada em março pela Rede Latino-Americana contra a Violência Psicológica no meio artístico, com depoimentos em vídeo de vários artistas do Brasil, Colômbia, Chile, Argentina, Nicarágua, Costa Rica, Bolívia, Venezuela e México contra assédio moral, assédio sexual e maus-tratos no âmbito da dramaturgia: Abuso não é Arte estará no site da ONG Respeito em Cena e nas redes sociais do grupo.
https://www.youtube.com/watch?v=9Ecw0ZQ6HSM
A etapa marca os 21 dias de ativismo internacional a partir desta quinta, Dia de Erradicação da Violência contra as Mulheres, até 10 de dezembro, Dia Internacional de Direitos Humanos.
Angela Vieira, Mônica Torres, Vanessa Gerbelli e Juliana Alves são algumas das brasileiras que participam desta etapa, voltada especialmente a questões de misoginia, assédio sexual e LGTFobia.
Nos dias a seguir, a Respeito em Cena colocará no ar vídeos e dados abrigados sob o guarda-chuva de outras duas temáticas:
- Marcas que Ficam! (com quatro vídeos, lançados em 29/11, 1/12, 3/12 e 6/12), em minirrelatos de artistas brasileiras e latino-americanas sobre sequelas e danos causados por abusos sofridos.
- Histórias e prosas sobre métodos (dois vídeos, lançados em 8/12 e 10/12), com diálogos com atrizes, atores e preparadoras de elenco brasileiros sobre o ofício dos atores, diretores e preparadores, métodos, técnicas e tecnologias para a cena.
Embora estivesse desde março planejada para ir ao ar agora, a campanha ganha fôlego e engajamento neste momento, pouco depois da elaboração de um abaixo-assinado em apoio à atriz Denise Weinberg, que resolveu denunciar no início do mês o sofrimento de violência psíquica e física em aulas da preparadora Fátima Toledo, enquanto ela foi treinada para as filmagens de "Linha de Passe", longa-metragem de Walter Salles e Daniela Thomas de 2008.
Toledo, que treinou o elenco de "Marighella", atualmente em cartaz nos cinemas, foi defendida por seu diretor, Wagner Moura, durante entrevista ao programa Roda Viva, da TV Cultura, no início de novembro, motivando a reação de Weinberg.
O abaixo-assinado em apoio à atriz chegou a 221 nomes nesta quarta (24), somando não só atores, mas também advogados, diretores, cenógrafos, escritores, figurinistas, juristas, advogados e jornalistas, incluindo créditos como os de Malu Mader, Juca Kfouri, Kakay (advogado), Marcelo Rubens Paiva, Paulo Betti, Fabíula Nascimento, Caco Ciocler, Ary França, Cássio Scapin e Alessandra Negrini, entre outros.
A Respeito em Cena, fundada e coordenada pela documentarista Luciana Sérvulo da Cunha, endossa que não tem qualquer intenção de promover o "cancelamento" de Toledo, como a preparadora afirmou ao site F5 na sexta-feira (19).
"Nossa discussão não passa por cancelamentos, o que é bem diferente de legítimos e necessários processos de conscientização sobre comportamentos desrespeitosos e abusivos", diz Sérvulo, que relata já ter sofrido abuso psicológico em aulas para atuação.
O ator Paulo Betti reforça à reportagem que preparação de ator não pode ser tratada como adestramento de animais e pede que os diretores recorram a outros recursos, como a decupagem e a edição, para alcançar determinados resultados em cena. "Ninguém precisa tomar um soco para que um soco seja visto na tela. Nossa arte é interpretar, os diretores têm que aprender a decupar", disse.
Como experiência de constrangimento, algo por qual muitos atores já passaram, mas poucos se dispõem a falar sobre, o ator Cássio Scapin se lembra das tentativas de constrangimento que sofreu, ainda muito jovem e em início de carreira, do diretor Antunes Filho (1929-2019), que pediu que ele fizesse uma cirurgia no "beiço" inferior para melhorar sua dicção.
"Este bullying não me pegou, e eu falei: 'eu não vou fazer porque gosto do meu beiço, ele tem serventia pra mim pra várias coisas'. Isso foi caviar perto do que eu sei que outras pessoas passaram. Mas é um método de uma geração que está em desuso e é um desserviço", opina Scapin.
"Se você não tem uma casca grossa para aguentar essas pessoas, você facilmente se destrói, é insalubre. Tem caminhos excelentes para a criação artística, que não devem passar por qualquer tipo de humilhação ou depreciação moral e física, sem dizer que isso não garante um bom resultado. Isso pode servir para um imediatismo, mas não serve para a formação do ser humano, da pessoa: a gente busca a elevação do caráter humano, e não a degeneração deles."
O ator Ary França também relata ter sofrido pressão e violência psicológica durante seu período como aluno de Antunes Filho, por cerca de dois anos e meio, nos anos 1980. "Eu não digo isso por vontade de me vingar, eu digo pela molecada, que às vezes é submetida a esse tipo de treinamento e não pode normatizar isso. Demorei para me manifestar porque eu não vivo numa redoma de vidro do Leblon, para mim aquilo parecia necessário naquela ocasião em que eu não conhecia outro cenário de estudo", diz.
França, que já mencionou as técnicas de Antunes em outras declarações públicas, ressalta ainda que é bem mais difícil que alguém anônimo e em início de carreira se manifeste sobre casos de assédio moral ou sexual. "A percepção e a denúncia demoram por duas razões: no momento em que acontece, você está chocado demais, traumatizado demais para falar, e essas coisas eram normatizadas. Quando se alcança uma certa notoriedade, fica mais fácil olhar para trás e perceber os abusos, e eles são tão óbvios, que você sente raiva de não ter reagido antes. Há muita hipocrisia nisso tudo. E tão grave quanto praticar abuso é ser cúmplice dele."
Ao site Notícias da TV, Weinberg disse que foi "torturada" por Toledo: "Botaram o pé na minha nuca, mandaram dizer que eu era uma merda. Ela falou na minha cara a merda de atriz que eu era, que não precisava de atrizes. Eu tive sequelas", afirmou.
Ao site F5, na sexta (19), Toledo prometeu tomar medidas judiciais contra pessoas que não conhecem seu trabalho e alimentam uma "campanha de cancelamento" baseada em "mentiras" para destruir sua reputação. Procurada pela coluna novamente para falar de seus métodos e de possíveis ações judiciais, ela não quis se manifestar.