Como criar filhos em tempos tão duros?
Inflação alta, desemprego e falta de perspectivas em meio a uma pandemia; como ensinar felicidade?
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Criar filhos nunca foi uma tarefa fácil. As dúvidas sobre como educar um outro ser humano para a vida pairam diariamente na cabeça de mães e pais desde que o mundo é mundo. O desafio é claro: como ensinar se ainda estamos aprendendo?
Esse é um questionamento que me faço com frequência. E confesso que a frequência da pergunta aumentou na pandemia. Eu busco ser a melhor versão de mim para minhas duas meninas.
Comer bem, cuidar do planeta, ser empática, ajudar o próximo, amar a família, estudar, ter posturas políticas que garantam um mundo melhor e fazer terapia estão entre minhas principais atitudes.
Trabalhar em algo que amo, ser dona do meu nariz, pagar minhas contas, tomar decisões difíceis, encarar os problemas, ir de peito aberto me desculpar quando erro também fazem parte do meu mundo de mãe-aprendiz.
Mas, mesmo tentando ser um bom exemplo, e buscando ser minha melhor versão, tenho me questionado muito. Como ensinar felicidade em tempos tão duros?
Como mostrar que há um mundo de possibilidades a serem exploradas quando vivemos em tempos de desemprego, alta inflação, intolerância e desumanidade, em meio a uma pandemia mundial em que negacionistas ignoram o vírus, tomam remédios que servem para gado e contra piolho, e se negam a tomar a vacina, a única forma possível hoje de conter o avanço de uma doença mortal?
Lembro-me de ir ao supermercado para minha mãe no fim da década de 1980, período de inflação galopante e não conseguir trazer o item que ela havia pedido. De manhã, custava um valor, de tarde, outro.
Lembro-me das eleições de 1989, aos dez anos, de como eu tinha esperança, e de como a sociedade reagia de forma animalesca a qualquer possibilidade de mudança que beneficiasse a todos, mesmo sabendo que a situação do país estava péssima.
Eu olhava a forma como as famílias viviam —a minha, inclusive— no aperto, e prometia para mim que lutaria para tudo ser diferente. Anos depois, vieram mudanças. Um período longo de respeito à democracia e de realização de sonhos. A gente pôde planejar, investir na educação e se sentir fazendo parte de uma boa sociedade.
Hoje, o aperto para pagar a conta do supermercado e fazer a escola particular caber no orçamento da classe média é grande. Comer e ter acesso à educação é o básico para garantir a saúde.
E, às vezes, nossos olhos perdem a esperança. Nossos filhos sentem.
Em um momento tão difícil eu fico indecisa entre ser o italiano Roberto Benigni, no premiado filme "A Vida é Bela", ou mostrar a realidade nua e crua, como fez de forma belíssima Fernanda Montenegro em "Central do Brasil".
Transitando entre esses dois mundos, vou ensinando o que sei. Afinal, é preciso ter esperança de dias melhores. De certa forma, com minha esperança da infância, ajudei a construir um país que foi, por um longo período, uma grande nação. Elas também poderão transformá-lo e realizar sonhos.
Mas também é necessário ter contato com a dureza das coisas, com o que não está bom, para ter o exemplo de comportamentos que não são dignos de quem carrega consigo o gene da humanidade.
Transitando entre esses mundos criarei filhas conscientes. E consciência é um dos caminhos da construção da felicidade.