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'Waterworld': por que 'maior fracasso' do cinema é visto com outros olhos 25 anos depois

Filme teve impacto positivo nas discussões sobre as mudanças climática - Divulgação

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Gregory Wakeman

BBC News Mundo

Quando "Waterworld - O Segredo das Águas" estreou nos cinemas americanos em julho de 1995, foi um grande fiasco.

E quando entrou em cartaz no Reino Unido, apenas duas semanas depois —com status de filme mais caro já feito até então, problemas na produção, críticas de medianas a negativas e bilheteria comparativamente fraca—, havia todos os ingredientes para a obra se consolidar como um verdadeiro fracasso.

Mas, 25 anos depois, o legado e o impacto de "Waterworld" merecem uma releitura.

O roteirista do filme, Peter Rader, que criou a aventura pós-apocalíptica ambientada em um futuro em que as calotas polares derretem e a água cobre a Terra, disse à BBC Culture que "Waterworld" é, na verdade, "uma das produções de maior sucesso" no vasto catálogo da Universal.

Com razão, já que a atração Waterworld: A Live Sea War Spectacular tem sido fundamental para os parques temáticos da Universal Studios desde que foi aberta em Hollywood, apenas algumas semanas após o lançamento do filme.

Uma das atrações mais populares nas filiais do parque em Singapura e no Japão, a performance gerou "bilhões em receita" para o estúdio, de acordo com Rader.

"Milhões de pessoas foram expostas ao conceito de "Waterworld". (O parque) tem uma área dedicada ao Jurassic Park. Uma área para o Harry Potter. Uma área do Transformers. E todas essas são franquias de uma série de filmes. Todas tiveram pelo menos três, em alguns casos sete produções. "Waterworld" é apenas um único filme. O que isso quer dizer sobre o conceito? É tão primordialmente atraente."

Mesmo como filme, "'Waterworld' não é tão terrível quanto alguns críticos afirmam", diz Sorcha Ní Fhlainn, professora de Estudos de Cinema e Estudos Americanos na Manchester Metropolitan University, no Reino Unido.

"Tem algumas cenas emocionantes e faz considerações importantes sobre ecologia, combustíveis fósseis e sustentabilidade na década de 1990."

Não é à toa que "Waterworld" foi reavaliado pelos críticos nos últimos anos, com o jornal britânico The Guardian descrevendo o longa como um "clássico cult em produção", e a revista americana Forbes afirmando que o filme foi o "maior fracasso de bilheteria sem ter sido".

Embora Rader, que foi substituído por David Twohy como roteirista, quando o ator Kevin Costner e o diretor Kevin Reynolds se juntaram à equipe, admita que ficou decepcionado com o tom de "Waterworld", há vários elementos que ele adora na versão final do filme.

Particularmente, a cena silenciosa de abertura, que mostra como o marinheiro interpretado por Kevin Costner filtra sua própria urina para beber —o que, segundo Rader, é um excelente exemplo de narrativa visual, conforme ensinado na renomada escola de cinema da University of Southern California, nos EUA.

Grande demais para fazer sucesso

Mas se os fãs de cinema estão começando agora a apreciar "Waterworld", por que o filme foi tão avidamente rejeitado e atacado quando foi lançado?

De acordo com Yannis Tzioumakis, da Universidade de Liverpool, no Reino Unido, uma tempestade perfeita de problemas arruinou a estreia do longa.

Em primeiro lugar, houve um "grande aumento no que chamamos de infoentretenimento" —combinação entre notícias e entretenimento. Isso abrange principalmente "números de bilheteria e produções cinematográficas, especialmente quando enfrentam problemas e estouram o orçamento".

A duplicação e, em seguida, triplicação dos custos de produção de "Waterworld", acompanhada pela destruição de um set multimilionário de filmagem por um furacão e a batalha criativa de Costner com Reynolds, que resultou na saída do diretor antes de a edição ser finalizada, logo se tornaram a matéria-prima perfeita para esses programas.

Além disso, a série de filmes incríveis protagonizados por Costner, que começou em 1987 com "Sem Saída" e "Os Intocáveis", e foi seguida por "Sorte no Amor", "Campo dos Sonhos", "Dança com Lobos", "Robin Hood - O Príncipe dos Ladrões", "JFK," "O Guarda-Costas" e "Um Mundo Perfeito" já havia sido interrompida em 1994.

Tanto "Wyatt Earp" quanto "A Árvore dos Sonhos" foram um fracasso de bilheteria —nenhum dos dois conseguiu arrecadar nem a metade de seus orçamentos.

Por volta dessa época, "O Último Grande Herói" e "A Ilha da Garganta Cortada" também foram um fiasco.

Esses blockbusters com orçamentos milionários eram a antítese do movimento indie de Hollywood dos anos 1990, diz Ní Fhlainn, especialmente com "o surgimento de novos diretores, como Quentin Tarantino", e uma onda de "filmes emocionantes de sucesso comercial e de crítica".

Mas embora "Waterworld" possa ser mais interessante do que costuma ser lembrado, há dois aspectos do filme que são terrivelmente datados. A falta de diversidade é assustadora, já que o elenco é quase inteiramente branco e masculino.

Rader reconhece que este lado de "Waterworld" é particularmente "gritante" nos "dias de hoje".

O tratamento que o filme oferece às personagens femininas não é muito melhor. Ní Fhlainn observa como o longa mostra repetidamente uma "compreensão limitada da complexidade feminina".

No filme, um grupo chamado Smokers está à procura de uma garota que tem um mapa para terra firme tatuado nas costas; segundo Ní Fhlainn, a menina Enola (Tina Majorino) e sua tutora Helen (Jeanne Tripplehorn) são tratadas como "commodities a serem negociadas ou mantidas em segurança".

E todas as suas ações apenas "ressaltam a centralidade do marinheiro na trama", que oferece Helen como isca para os saqueadores.

Embora "Waterworld" evidencie o quão branca e masculina é a história recente de Hollywood, o filme teve pelo menos um impacto positivo nas discussões sobre as mudanças climáticas.

Em meados da década de 1980, quando começou a trabalhar no roteiro, Rader sabia que o derretimento das calotas polares resultaria no aumento do nível do mar em cerca de 10 metros, e não colocaria tudo debaixo d'água como acontece no filme.

Isso obviamente teria resultado em um filme muito mais "seco" e menos impactante. E, segundo Rader, ele e Reynolds estavam certos de que queriam fazer "algo para alardear essa preocupação urgente com o planeta, na forma de filme comercial".

Para isso, eles encheram "Waterworld" com uma série de referências ambientais, incluindo transformar o navio Exxon Valdez —petroleiro que colidiu na costa do Alasca em 1989 e derramou 10,8 milhões de galões de óleo no oceano— em uma base para os vilões no filme.

"Waterworld" incluía originalmente muito mais referências ao impacto do homem sobre a Terra —como a revelação de que Dryland, o último lugar não coberto por água no planeta, era na verdade o cume do Monte Everest.

A ideia original era mostrar isso com a descoberta de uma placa que detalhava como os alpinistas Edmund Hillary e Tenzing Norgay haviam escalado o pico.

Segundo Rader, Reynolds disse a ele que "este foi o momento em que soube que queria fazer o filme", ​​comparando à "cena do Planeta dos Macacos em que você vê a coroa da Estátua da Liberdade".

Infelizmente, de acordo com Rader, quando Costner "basicamente assumiu a edição" de Waterworld, este final foi removido, o que ele classifica como uma das "poucas oportunidades perdidas" no filme.

Embora "Waterworld" não mencione explicitamente o aquecimento global, Ann Merchant acredita que o filme teria feito, sem dúvida, os espectadores questionarem sobre a crise ambiental e "buscarem mais fontes confiáveis ​​para entendê-la".

"Se tornou um marco cultural na dramatização de como a mudança climática pode nos impactar", diz Merchant.

Peter Gleick, especialista de renome mundial em questões sobre água e clima, compartilha deste sentimento, afirmando que, como exemplo de ficção climática, "Waterworld" é "ainda mais relevante e certeiro hoje do que era quando foi lançado".

"Esses filmes nos oferecem pequenos lampejos do futuro. Por mais realistas que possam ser ou não, eles nos dão a oportunidade de refletir que talvez devêssemos fazer algo para impedir que essas coisas ruins aconteçam."

O trabalho de Rader em "Waterworld" repercutiu além do cinema.

Em abril de 2019, ele foi convidado para fazer parte da primeira mesa redonda sobre Cidades Flutuantes Sustentáveis ​​na sede da Organização das Nações Unidas (ONU), em Nova York, ao lado de uma equipe de especialistas. Uma maquete projetada pelo arquiteto Bjarke Ingels foi criada para a ocasião e colocada no meio da mesa.

Rader não conseguia acreditar no que estava diante dos seus olhos.

"Parecia exatamente com o nosso atol de "Waterworld"... Foi uma satisfação imensa estar em uma sala em que os conceitos que eu criei três décadas atrás poderiam de fato nos ajudar".

O impacto ambiental de "Waterworld" vai ainda mais além. Costner ficou tão inspirado com o longa que comprou a Ocean Therapy Solutions, empresa especializada em separar óleo da água —processo usado para mitigar derramamentos de óleo— e que vendeu sua tecnologia para a BP após a explosão da plataforma Deepwater Horizon, em 2010.

Atualmente, a previsão é que o gelo do mar Ártico, que desempenha um papel vital no controle do clima no planeta, pode desaparecer já em 2035.

Então, da próxima vez que você ouvir alguém chamar "Waterworld" de fiasco, diga que um dia, ele pode ajudar a salvar o planeta.