HUMOR: Machado for 'dummies'
"Os livros dele têm cinco ou seis palavras que [os jovens] não entendem por frase. As construções são muito longas. Eu simplifico isso", diz uma moça entrevistada pelo amigo Chico Felitti que se apresenta como escritora, mas está se dedicando a desescrever —ela diria "simplificar"— Machado de Assis, José de Alencar e outros que, além de escrever DIFÍCIL ("'mano q palavra dificeo "sagacidade"!!! aff nadave meo kkk"), são ruins nessa coisa de interagir com a moçadinha das "redeçociau", talvez por estarem mortos há um bocado de tempo.
Sempre achei que ler boa literatura era um pouco como ser, finalmente, convidado a jantar na mesa dos adultos: comer a comida mais elaborada deles em vez do "menu infantil", falar de coisas sérias com eles, até rir das piadas sujas deles. A gente aprende coisas novas, descobre que as conversas dos adultos —que pareciam impenetráveis— nem são tão difíceis assim e sai do processo mais rico do que entrou. A desescritora faz o caminho oposto: "simplificando", infantiliza os leitores, como um adulto falando tatibitate com eles. Como se qualquer criança curiosa com acesso à internet não pudesse fuçar no Google para saber o que é "sagacidade" (e muitas coisas mais).
De todo modo, para que não se diga que atravanco o progresso do Brasil, ofereço aqui uma versão de "O Alienista" em linguagem ATUALIZADA, que não ultrapassa os 140 caracteres do Twitter e dispensa todo mundo dessa coisa chata que é ler livro: "Médico mto loko enfia os kra tudo no hospício e dps se tranca sozinho lah pq ele q era bem loko meo kkk mto comédia!!!".
E no fim de semana morreu a Mãe Dináh, aquela vidente que ficou famosa por basicamente não acertar nenhuma previsão —seu grande feito foi TALVEZ ter previsto o acidente de avião que matou os Mamonas. Mas talvez estejamos deixando para trás as previsões "roots" da Mãe Dináh e entrando numa época de vidência mais sofisticada, diferenciada, gourmet: amigo avisou no Facebook que viu um PAI ARISTÓTELES oferecendo seus serviços em São Paulo.
Espero que a moda pegue e a gente veja muitos cartazes semelhantes colados nos postes da cidade: "Pai Descartes - não fique na dúvida metódica! Penso, logo ligo! [número de telefone]." "Pai Kant - critica a razão pura e traz a pessoa amada em três dias com a força do imperativo categórico." "Pai Nietzsche - faz de você um super-homem! Recupere sua vontade de potência!" "Pai Camus - ligue e aprenda a lidar com o absurdo essencial da sua vida - seja um Sísifo feliz!" "Pai Sartre - não me ligue. Você está condenado a ser livre, lide com isso. Beijos."
As patrulhas nas redes sociais me fizeram ver que no Brasil, assim como há carteira de motorista, sem a qual —em tese— ninguém pode dirigir, parece haver uma carteira sem a qual negros não podem se considerar negros. Você pode ter essa carteira cassada, por exemplo, se for um jogador de futebol milionário (no mínimo, é infração gravíssima); perde a carteira se um dia tiver dito que não sofre racismo por "não ser negro" (mesmo que isso, que não é igual a dizer "sou branco", tenha sido há quatro anos, com você sofrendo racismo VÁRIAS vezes de lá para cá); perde também se fizer campanha antirracismo com ajuda de uma agência de publicidade, essa coisa vil que mexe com dinheiro, em vez de usar o que em burocratês se chama "canais competentes".
É assim que as patrulhas cassam a carteira de Neymar e Ronaldo e os transformam em loiros escandinavos, que não têm o direito de abrir a boca para falar de racismo nem em episódios nos quais ELES foram vítimas. Torço para que os craques tenham, um dia, a humildade de fazer um curso de reciclagem. Só assim para eles recuperarem a carteira e serem negros "do jeito certo".
RUY GOIABA estraga a pessoa amada em muito menos que três dias.
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