Factoides

HUMOR: 500 anos de chanchada

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"Sabe da última? Um general parecido com o marinheiro Popeye tá saindo agora lá de Juiz de Fora pra derrubar o governo." "Ah, vá. Hoje é 1º de abril, você só pode estar me zoando." É verdade que seus pais, ou seus avós, não usavam "zoando" com esse sentido na década de 60, mas aconteceu basicamente assim: em 1964, o Brasil bateu o recorde mundial de mentira de 1º de abril com uma pegadinha que durou 21 ANOS (e eu escreveria aqui algo do tipo "a piada mortal" se esse já não fosse o nome de uma banda de rock e de uma HQ do Batman).

Muita gente boa já escreveu sobre como, naquela época, muita gente boa achava frescura esse negócio de democracia -inclusive seus pais, seus avós e uma longa lista de etcéteras. Eu (que não sou gente boa, mas acho que democracia é mesmo a pior forma de governo, fora todas as outras) gostaria de abordar o tema por outro ângulo: a política brasileira como subproduto especialmente trágico da vocação do país para a esculhambação. É nosso destino manifesto. Assim que nasce, o brasileiro é arremessado à zoeira, seu habitat natural, e se move dentro dela como o peixe no mar, igualmente se engasgando com papel de picolé e tampa de garrafa PET.

(Aliás, acredito sinceramente que o IBGE deveria abandonar essa coisa de estratos sociais e levar em conta a ÚNICA divisão que importa no Brasil: zoões e zoados. Numa ponta você teria os ocupantes do Planalto –você ouve "noffo paíf é autoffufifiente em petróleo"; alguns anos depois, lê as notícias sobre a Petrobras e ráááá, pegadinha do Mallandro!– e na outra ponta aquele pessoal da planície que, não contente em ser sacaneado diariamente pela vida, às vezes ainda aparece no Silvio Santos como vítima de pegadinha. Se bobear, adorando.)

Crédito: Divulgação Grande Otelo e Oscarito, também conhecidos como Nacional e Popular, em cena de "Matar ou Correr" (chanchada do ano 10 a.G., antes do golpe)
Grande Otelo e Oscarito, também conhecidos como Nacional e Popular, em "Matar ou Correr" (do ano 10 a.G., antes do golpe)

Sabemos que existem inúmeros filmes sobre episódios da história do Brasil. Agora me digam: se essa história fosse contada do início até hoje, faria mais sentido se ela fosse interpretada por Tarcísio Meira com os bigodões de dom Pedro 1º ou por Zé Trindade, Dercy Gonçalves, Grande Otelo e grande elenco? O que passa melhor a ideia de BRASILIDADE? Você, eu, o Tarcísio e a Glória Menezes sabemos que é a opção B, porque somos todos Mussum forévis (e volto a insistir: NEGÃO É O TEU PASSADIS é um lema infinitamente superior a "ordem e progresso").

O Brasil, esse Oscarito vestido de rei Midas, transforma tudo o que toca em chanchada. E é necessário reconhecer que, sim, às vezes isso é bom. Meu amigo Alexandre Soares Silva uma vez escreveu que Hitler, se tivesse nascido aqui, não passaria de um tiozão bronco de padaria, e eu gosto de pensar que seria mesmo assim. Mas também acho, na linha do que Contardo Calligaris disse uma vez sobre o governo Berlusconi, que chanchada pode ser legal pra quem vê de fora, não necessariamente pra quem VIVE nela.

Enfim, "moral da história" é coisa que não existe mais ou foi substituída pelas advertências do Ministério da Saúde. Mas, na remota hipótese de a história do Bananão ter alguma moral, eu a resumiria num conselho aos XÓVENS: a chanchada é uma cachaça. Apreciem com moderação.

RUY GOIABA também já foi brasileiro, moreno como vocês.

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