HUMOR: Marcha, que eu te escuto
Que coisa bonita é a democracia, senhoras e senhores. Permite até que pessoas que deveriam desfilar solidamente montadas em todo Sete de Setembro se ergam sobre duas patas e marchem contra ela —na Marcha da Família pela Volta da Ditadura e da Varíola, ou algo assim. (Abre parêntese: no tempo do Collor —sim, meninos, eu já existia e sobrevivi a ele—, com a Aids grassando, fiquei sabendo de um para-choque de caminhão com os dizeres "saudade do Médici e da gonorreia". Mas era PIADA, sabe? Fim do parêntese.)
Houve uma contramarcha em SP no mesmo dia, e as redes sociais sugeriram várias outras manifestações mais bacanas: por exemplo, a Marcha pela Família Addams, organizada pelo meu amigo @exucaveiracover, e a Marcha da Família Caymmi para Maracangalha. Essa, além do bom repertório, certamente renderia fotos bonitas, com todo mundo de chapéu de palha e "liforme" branco. Fiel ao jeito caymmiano de ser, confirmei presença nas duas e não apareci em nenhuma. Um dia eu chego (e, se Anália não quiser ir, eu vou só).
De todo modo, pensei em uma série de reivindicações que justificam sair marchando por aí. Quem sabe elas até me fizessem sair do sofá, de onde o acesso à internet me permite julgar os vivos e os mortos. Aquele gigante que acordou em junho de 2013 dormiu de novo: é hora de cutucar o bicho e fazê-lo sair por aí que nem Godzilla pisando nos prédios de Tóquio. Mas, para isso, a causa tem de ser JUSTA. Sigam-me os bons!
Marcha pela dignidade da coxinha
Chega de chamar pessoas coxinhas de coxinhas! O salgadinho merece respeito. Ele precisa ser amado, protegido e comido pela pontinha —com ou sem pimenta—, não equiparado a gente que usa camisa polo por dentro da calça e gel no cabelo. Nossa marcha vai se concentrar no Veloso, com cinco horas de fila de espera (já que não cabe NINGUÉM lá dentro do bar), e será puxada pela ilustre coxinhófila Nigella Lawson (não posso imaginar melhor comissão de frente). Chega de confundir coxa-creme com coxa-crime! Legalize it!
Marcha contra aquele negócio de secar as mãos com ar quente
Basta! O brasileiro está farto de ir ao banheiro e topar com esses secadores de ar quente pretensamente ecológicos que conseguem TORRAR as mãos e deixá-las molhadas ao mesmo tempo. Não é possível que os cidadãos de bem deste país sejam obrigados a enxugar as mãos nas calças, no vestido ou naquele papel higiênico que se desmancha todo —isso claramente solapa os alicerces da civilização ocidental e é um passo para a barbárie. No pasarán! Vamos todos marchar vestidos com toalhas de papel (mas só se não chover).
Marcha para Jesus & Mary Chain
Eles estão vindo ao Brasil, o ingresso é gratuito e, se você não marchar logo, vai ficar sem. Só avisando.
Marcha pela vírgula do vocativo
Pessoas que se importam muito com o mico-leão-dourado e os beagles usados em pesquisas não dão a mínima para os animaizinhos mais ameaçados de extinção que existem: a vírgula do vocativo e, pelo menos em São Paulo, o subjuntivo (esse merece marcha à parte —já visualizo camisetas com a foto do professor Pasquale e os dizeres "'se eu ver' é o cazzo!"). Mas a eliminação da vírgula é ainda mais trágica: ela transforma "vamos comer, Fulano?" de inocente convite para almoçar em convocação para um "gang bang".
Marcha pela desgourmetização de SP
Essa talvez seja a mais premente: a praga do "gourmet" atingiu níveis de peste negra medieval. Compartilhei, faz pouco tempo, vídeo em que um sujeito —a sério, sem rir— chamava marmita de MOBILE FOOD e procurava explicar o CONCEITO (claro, tinha que ter um "conceito" no meio; só faltou dizer que a mobile food também é LÚDICA). Depois, uma amiga me contou que kitchenette passou a ser MONOAMBIENTE. E eu juro para vocês: outro dia, entrei num banheiro que tinha toalhas de pano e enxuguei as mãos numa TOALHA GOURMET. (Não, não comi a toalha para saber se era mesmo. E até senti saudade do secador que torra as mãos sem secar.)
A marcha pedirá mudanças no Código Penal: todo ser que usar os termos "gourmet", "mobile food" e similares será punido com uma surra de gato morto até o gato miar. Essa é nossa contribuição para um Brasil melhor.
RUY GOIABA acha que muitas marchas seriam mais divertidas se fossem marchas atléticas, aquela em que os corredores parecem rebolar. Dirige carro com câmbio automático e prefere marchinhas no diminutivo.
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