Factoides

HUMOR: Senhor@s de S@nt@n@

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Vou dizendo logo de cara: não curto muito novela, o que deve ser uma espécie de sincericídio aqui no "F5". Juro, não é porque eu seja um "metido a intelectual que só lê Dostoiévski" (repare: todo idiota, quando acusa alguém de "metido a intelectual", cita o Dostoiévski, que é o único autor de "nome difícil" que eles lembram; mal sabem que o Dostô tem passagens que são pura novela mexicana em cenário russo. Fim do parêntese).

Deve ser culpa do meu deficit de atenção, que não me deixa ficar quieto pra assistir a um capítulo inteiro mesmo quando a novela parece legalzinha. Mas eu moro no Brasil, escrevo pro "F5", tenho mãe noveleira e todo dia vejo o Twitter ser inundado por posts sobre a novela-das-nove da vez --na época de "Avenida Brasil", o encontro da correnteza de Carminha & cia. com a do "BBB" produzia o FENÔMENO DA POROROCA de posts.

Enfim, sempre sei o que está rolando na novela, que tem Antonio Fagundes e Susana Vieira no meio, que o Mateus Solano faz o Félix etc. E sei que toda hora o autor, Walcyr Carrasco, tem de lidar com as queixas de categorias profissionais (enfermeiros, médicos, advogados) sobre como a trama os retrata; também é acusado de machismo porque palavras como "vagabunda", "piranha" etc. são repetidas --muitas vezes.

Queria contar uma coisa surpreendente pra esse pessoal, no estilo Caminho Suave: novela é FICÇÃO. Esses personagens que não existem de verdade (juro!) são divididos em bonzinhos, pra gente torcer, e mauzinhos, pra gente odiar --e os mauzinhos geralmente não estão lá como símbolos de uma profissão (isto é, um personagem canalha que é médico não significa "todos os médicos são canalhas"). E vilões, sabe como é, fazem e dizem coisas feias. Não raro, muito feias. É assim que funciona desde o teatro grego, pelo menos.

Crédito: Alex Carvalho/Divulgação/TV Globo Novela é um negócio que contém o Fagundes e a Susana Vieira --e o Tony Ramos, quando ele não está vendendo picanha. Viram como eu sei?
Novela é um negócio que contém o Fagundes e a Susana Vieira --e o Tony Ramos, quando ele não está vendendo picanha

Mas às vezes quem diz coisas feias é uma personagem com quem simpatizamos --por exemplo, Pilar (Susana Vieira) quando briga com a amante do marido ("piranha!"). Bom, a novela é uma ficção que busca alguma semelhança com a vida real, e não consigo imaginar ninguém no Brasil de 2013 dizendo SINTO-ME DECIDIDAMENTE ULTRAJADA numa situação dessas. Nem mesmo você, oh guardião da moral: é exatamente quando as pessoas explodem que os piores preconceitos delas, geralmente represados, vêm à tona. E não foi a novela que CRIOU este país machista em que a responsabilidade pela traição nunca é do homem.

Já vejo alguém na plateia levantando a mão: "Ah, mas a novela é vista por milhões, dita comportamento, reforça atitudes erradas". Eu diria que você subestima a inteligência desses milhões em relação ao que veem na TV --e provavelmente acha que o povo, pra não agir como robozinho repetindo o plim-plim, precisa ser tutelado e exposto a "bons exemplos". Favor puxar a calça pra cima, que o seu preconceito está aparecendo.

Mas OK, você não é um desses espertos que usam a novela como pretexto pra bater na odiada Globo --e, de lambuja, mostrar pro mundo como são gente fina e campeões das boas causas. Acredita sinceramente nesse negócio de que a TV fornece "exemplos", mesmo quando a proposta é simplesmente entreter. Então por que você não dá o exemplo desligando o maldito botão? Deixa eu contar outra coisa: ninguém é OBRIGADO a ver TV, e milhões desligando podem mexer na parte mais sensível de anunciantes e emissoras (o bolso).

No fundo, não há diferença essencial entre você e quem defende proibir o game X ou o filme Y por "estimular a violência". Pior, repete-se um padrão dos vitorianos, ou dos franceses que gritavam contra a "imoralidade" de "Madame Bovary" no século 19, ou das Senhoras de Santana --aquele grupo que era motivo de chacota nos anos 80 por protestar contra o "excesso de sexo" entrando, via TV, no santo recesso da família brasileira.

Ah, você é moderninho e suas causas são melhores? Sem dúvida, bem melhores. Mas, tanto quanto você, as senhorinhas (e os vitorianos) tinham a CONVICÇÃO de que faziam o bem --e achavam que sabiam melhor que ninguém o que era bom para o resto do mundo. Daí a ceder à tentação de impor esse melhor é um pulo. O sinal do que causa escândalo pode ter sido invertido, mas ainda somos os mesmos e vivemos como nossos avós. Pelo menos agora usamos arrobas modernas: s@m@s @s senhor@s de S@nt@n@.


RUY GOIABA não ganhou um tostão da Grobo para escrever este texto. Admite que passa mais tempo no Twitter que lendo aquele autor russo de nome difícil e vai continuar a ver novela comentada pelas redeçociau.

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