Factoides

Amado Batista me convenceu a torturar minha vizinha

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

¡Amores de mi vida! Vocês viram o "De Frente com Gabi" (SBT) de domingo passado? Eu vi, e não me recuperei até agora. Meu sistema de valores foi virado de cabeça para baixo. Meu compasso moral se desnorteou. Minha vida adquiriu um novo sentido.

Tudo porque o Amado Batista, o entrevistado da noite, disse que mereceu ter sido torturado durante a ditadura. Me-re-ceu!

Eu sempre achei que tortura era um pouco meio muito, mesmo para os crimes mais hediondos --e olha que o Amado fez pouco mais do que emprestar uns livrinhos para uns comunistas.

Mas se ele diz que mereceu, quem sou eu para duvidar? Além do mais, a tortura deu supercerto: o cara não só entregou todo mundo, como se arrependeu amargamente. Tanto que aderiu à ditadura, dizendo que ela agiu com ele como um pai que repreende um filho. Olha, eu fui muito repreendida pelo meu pai, mas choque elétrico enquanto eu estava encapuzada, ele nunca me deu.

De qualquer forma, se o meu amado Amado Batista diz que tem gente que merece ser torturada, é porque tem mesmo. E aí eu pensei cá com os botões do meu penhoar: quem que eu conheço que merece ser torturado?

Talvez o Ratinho, que vai entrevistar o Silas Malafaia em plena Semana da Diversidade Sexual? Ou quem sabe o Eduardo Paes, que não sabe que um prefeito não pode sair no braço nem com o mais bêbado de seus detratores?

Eles merecem, sem dúvida, mas estão um pouco distantes de mim. Além do mais, vivem cercados por seguranças. Então lembrei de alguém que está pertinho, e totalmente indefesa. Minha inimiga número um: dona Guiomar, a síndica do meu prédio!

Crédito:

Recapitulando: a velha me aplicou uma multa de R$ 500 só porque eu, num momento de insanidade temporária, atirei um cigarro aceso no jardim do térreo e provoquei um incêndio. Que foi prontamente apagado pelo Corpo de Bombeiros, os valorosos soldados do fogo. Ninguém se machucou. Só o zelador. E um morador. E um cachorrinho.

Como qualquer cidadão consciente, eu tentei resolver essa pequena questão no tapa --e acabei apanhando. Mas chegou a hora da vingança. Tortura, nunca mais! Só em casos em que a pessoa realmente mereça, como agora.

E existe instrumento de tortura mais cruel do que as próprias músicas do Amado Batista? Para deixá-las ainda mais letais, pedi para um mano amigo meu remixá-las em ritmo de pancadão.

Aí eu instalei uma aparelhagem importada de Belém do Pará na porta da megera e liguei o volume no máximo. Os sucessos amadianos foram se sucedendo: "O Lixeiro e a Empregada", "Romance no Deserto", "Castelo de Sonhos". Essa nem tocou até o final: dona Guiomar pediu arrego. Não só cancelou minha multa como me perdoou os dezessete meses de condomínio atrasado. E ainda dançou o quadradinho de oito.

O final da história teria sido totalmente feliz se eu não tivesse usado um método expressamente proibido pela Convenção de Genebra. Agora estou sendo perseguida pela Anistia Internacional, e já tem petição no Avaaz exigindo a minha prisão imediata.

Ah, mas quer saber? Valeu a pena. Amado Batista, a gente se merece!


ELOÁ PARANHOS, 67, é ex-funcionária pública e aposentada desde os 35 por invalidez (machucou o dedo anular esquerdo num acidente de bocha). Passa os dias vendo TV, folheando revistas de fofoca e recebendo mensagens em código. Torce pelo Juventus.

Final do conteúdo
  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Comentários

Ver todos os comentários Comentar esta reportagem

Últimas Notícias