Tony Goes

Eu fui ao Rock in Rio. De 1985

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Como muita gente, passei o fim de semana assistindo a trechos do Rock in Rio na televisão. E, como muitos caras da minha idade, embarquei num pequeno conflito interior: será que eu devia estar lá?

A grandiosidade do evento me deixou levemente assanhado, com aquela sensação difusa de estar perdendo alguma coisa sensacional. Bandas que eu adoro e que nunca vieram ao Brasil! Clima de festa e congraçamento! Voar de tirolesa por cima da multidão!

Mas aí eu lembrei da dificuldade que a galera está enfrentando para entrar e, principalmente, para sair da Cidade do Rock. Do desconforto de passar horas e horas em pé e só conseguir ver algo dos shows pelos telões. Da segurança rígida que confisca maçãs das mochilas do público, mas não consegue impedir que carteiras e celulares sejam surrupiados lá dentro. E então fico contente de estar no conforto da minha casa, mesmo tendo que aguentar muita encheção de linguiça entre uma apresentação e outra.

Crédito: Danilo Verpa/Folhapress Público do Rock In Rio acompanha os shows de heavy metal no último domingo
Público do Rock In Rio acompanha os shows de heavy metal no último domingo

Nada disso me desanimou na primeira edição do festival, em 1985. Lá estava eu, radiante, com os pés enfiados na lama e óculos "rock" na cara. Só não tive coragem de aplicar gel New Wave no cabelo, uma gosma colorida que pegou feito resfriado entre a garotada de então.

O primeiro Rock in Rio foi vendido como uma versão brasileira de Woodstock, com muita ênfase na "paz". Mas de hippie o troço não tinha absolutamente nada: estandes de cadeias de fast food, logos de patrocinadores e lembrancinhas vendidas a peso de ouro dexiavam óbvio o espírito comercial do evento. Claro que, de lá para cá, isto só aumentou.

Assisti a shows incríveis do Queen, dos B-52's e da Nina Hagen, mas minha lembrança mais forte é mesmo a lama. Os produtores, ainda inexperientes, plantaram um imenso gramado, que não resistiu às chuvas torrenciais de janeiro. No segundo dia a Cidade do Rock já era um pântano. Aprendida a lição, o festival de agora é realizado no muito mais seco mês de setembro, e a grama é artificial.

Não estou dizendo que não aconteceram, mas não me recordo de um único caso de furto. Em 1985 não havia celulares e a palavra "arrastão" só ganharia um novo significado alguns anos depois. Hoje, até mesmo os ingressos para os shows viraram objeto de cobiça para os ladrões.

E, por uma coincidência histórica, havia uma euforia palpável no ar. A eleição de Tancredo Neves pelo Colégio Eleitoral aconteceu durante o evento, o que foi comemorado em cena por muitos artistas brasileiros. Sentíamos que um Brasil novo estava nascendo ali.

Tancredo morreu alguns meses depois e a nossa jovem democracia enfrentou muitos trancos e barrancos. Hoje, mais de 25 anos depois e de algumas edições no Maracanã e no exterior, o Rock in Rio está de volta ao cenário original. Repensado, repaginado e amadurecido, mas claro que os precalços são inevitáveis.

Eu queria estar lá? Queria: a eletricidade de um acontecimento desse porte nunca é captada direito pelas câmeras da TV. Mas, por já ter vivido tudo isso antes, também não faço muita questão. Afinal, por que passar duas horas na fila da pizza, quando minha cozinha está a apenas alguns passos da sala?

Tony Goes

Tony Goes (1960-2024) nasceu no Rio de Janeiro, mas viveu em São Paulo desde pequeno. Escreveu para várias séries de humor e programas de variedades, além de alguns longas-metragens. Ele também atualizava diariamente o blog que levava seu nome: tonygoes.com.br.

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