Tony Goes

Novos 'Trapalhões' são politicamente corretos, mas os originais nem eram tão maus assim

Novo elenco de "Os Trapalhões", da esq. para dir., Mussa (Mumuzinho), Didico (Lucas Veloso), Zaca (Gui Santana) e Dedeco (Bruno Gissoni)
Novo elenco de "Os Trapalhões", da esq. para dir., Mussa (Mumuzinho), Didico (Lucas Veloso), Zaca (Gui Santana) e Dedeco (Bruno Gissoni) - Divulgação/TV Globo


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Estreou nesta segunda-feira (17), no canal Viva, uma nova versão de “Os Trapalhões”. A exemplo do que já havia feito com “A Escolinha do Professor Raimundo”, a emissora substituiu o antigo elenco por atores mais jovens e gravou com eles novos esquetes, com temas contemporâneos. A diferença é que, dessa vez, os dois remanescentes da trupe original também participam do “remake”: Renato Aragão e Dedé Santana.

Ficou bem divertido, e bastante fiel ao espírito anárquico do humorístico que foi campeão de audiência nas décadas de 1970 e 1980 --primeiro pela extinta Tupi, depois pela Globo.

Como Didi e Dedé ainda estão vivos e operantes, optou-se por batizar seus avatares mais novos com nomes ligeiramente diferentes. Assim temos Didico (Lucas Veloso), Dedeco (Bruno Gissoni), Zaca (Gui Santana) e Mussa (Mumuzinho). Os dois primeiros não comprometem; os dois últimos são autênticos clones dos falecidos Mussum e Zacarias, com caracterizações e atuações aflitivamente perfeitas.

As novas piadas seguem o humor clássico do grupo: são infantis, mas não ingênuas. Talvez a melhor definição seja pré-adolescente, pois falam de sexo da maneira que um moleque de 11 anos falaria.

Só que há uma diferença notável. Sumiram o racismo e a homofobia tão presentes na matriz --e, aliás, também em quase todo o humor daquele período, do qual “A Praça É Nossa” (SBT) é um sobrevivente. Sobrou um pouco de machismo (visível no quadro com a super-heroína Mulher Silicone, com peitos gigantescos), mas, afinal, ninguém é santo.

Hoje em dia tornou-se comum “acusar” os "Trapalhões" de um sem-número de preconceitos. Todo mundo adora o quarteto (especialmente quem foi criança há 30 ou 40 anos), mas esta adoração vem sempre com um “mas...”.

De fato, o programa jamais se furtou a fazer troça com negros, bichas, mulheres e pobres. Se fosse exibido em 2017 do jeito que era antes, os roteiristas e atores seriam presos ou, no mínimo, execrados nas redes sociais.

Mas eu ouso ir contra a corrente e defender os "Trapalhões" originais. Porque, apesar de tudo, eles também eram um exemplo de diversidade e tolerância. O único membro que se encaixava no padrão normativo --branco, hétero, classe média, do Sudeste-- era Dedé. Não por acaso, o menos engraçado de todos, e o que mais fazia “escada” para os demais.

Mussum era negro; Zacarias era afeminado, embora não explicitamente gay (mesmo cheio de trejeitos, ele ainda insistia em paquerar gatinhas). E Didi era um retirante nordestino perdido na modernidade do Sul Maravilha. É bom lembrar que, ainda mais do que hoje, naquela época as expressões “baiano” (em São Paulo) e “paraíba” (no Rio) eram usadas de maneira pejorativa contra os imigrantes vindos do Nordeste.

Qual humorístico moderno tem uma composição tão variada? O badalado “Tá no Ar” (Globo) não conta com um único negro em seu elenco fixo, assim como a turma do Porta dos Fundos.

E, no entanto, lá atrás, o programa "Os Trapalhões" já mostravam quatro tipos (ou melhor, estereótipos) bem distintos entre si, mas convivendo numa boa. Apesar dos sopapos e das gozações, os quatro personagens eram mesmo amigos entre si. Um exemplo, pré-politicamente correto, de superação das diferenças. Com torta na cara e tudo.


Tony Goes

Tony Goes (1960-2024) nasceu no Rio de Janeiro, mas viveu em São Paulo desde pequeno. Escreveu para várias séries de humor e programas de variedades, além de alguns longas-metragens. Ele também atualizava diariamente o blog que levava seu nome: tonygoes.com.br.

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