Reação ao drama de Fábio Assunção mostra que ainda somos cruéis, mas melhoramos um pouco
Fábio Assunção, 45, deu o azar de viver não só na era da internet, como num momento em que o conservadorismo ignorante avança no mundo inteiro. Em outros tempos, dependentes químicos famosos puderam lutar contra seus problemas longe das câmeras, dos celulares e do julgamento instantâneo nas redes sociais.
Nélson Gonçalves, por exemplo, travou uma longa batalha contra a cocaína. Uma das maiores vozes da música brasileira de todos os tempos, ele chegou a ser preso em 1965 por porte de drogas, e quase teve a carreira descarrilada. A imprensa fez um escarcéu, é claro. Mas naquela época ainda não existia a web, e o cantor --que tinha o sugestivo apelido de “Metralha”-- foi logo perdoado pelo público.
O mesmo não está acontecendo com o ator da Globo. Fábio Assunção vem sendo exposto e execrado como se fosse um criminoso, em mais um episódio relevador da nossa relação de amor e inveja com as celebridades.
Os comentários on-line são assustadores: tem quem defende que Fábio seja sumariamente demitido da Globo, tem quem simplesmente ria da desgraça alheia. E há os que o “acusam” de ter apoiado o PT, ou de ainda não ter encontrado Jesus...
Não foi a primeira vez que o vício de Fábio ganhou as manchetes. Em 2008, o ator foi preso ao ser flagrado no apartamento de um traficante em São Paulo. O escândalo foi tão grande que a Globo o tirou do elenco da novela “Negócio da China” e o manteve na geladeira por algum tempo.
Depois, Fábio reapareceu na minissérie “Dalva e Herivelto” (2010), e no ano seguinte ganhou um papel fixo na série “Tapas & Beijos”. Só recentemente participou de uma novela do começo ao fim, “Totalmente Demais” (2015). Em julho estreia seu mais recente trabalho na emissora: a minissérie “A Fórmula”.
Pelo menos agora percebo um elemento novo na reação ao drama de Fábio: a solidariedade. Em meio a tantos internautas escarnecendo do ator, também há vários que o defendem, algo que não era tão nítido nove anos atrás.
O que mudou de lá para cá? Suspeito que essa mudança de mentalidade foi causada, principalmente, pela morte trágica de Amy Winehouse, em 2011. A cantora inglesa havia despontado para o sucesso global apenas quatro anos antes. Alcoólatra, cocainômana, destrambelhada, Amy não tinha quem a protegesse dos paparazzi que acampavam na porta de sua casa em Londres. Quase toda semana surgiam fotos dela protagonizando algum vexame, e o mundo se divertia com sua falta de noção.
Também houve quem risse quando ela finalmente sucumbiu, naquele clima sádico de “bem feito”. Mas, aos poucos, com a ajuda do documentário “Amy” e do testemunho de inúmeros outros dependentes químicos, foi se cristalizando --pelo menos entre as pessoas mais esclarecidas-- o conceito de que o vício é uma doença, não uma falha de caráter.
Ainda bem, pois não precisamos de uma versão brasileira de Amy Winehouse. Alguém para tirarmos bastante sarro enquanto vivo e, depois, chorarmos quando fizerem um documentário.
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