O coração de Chico Buarque é um pote até aqui de mágoa
"Você não vai ficar com raiva de quem tem raiva [...] Deixa pra lá." Quatro anos atrás, era assim que Chico Buarque reagia aos internautas intolerantes.
Num vídeo divulgado em 2011 para promover o lançamento de seu DVD "Na Carreira", o cantor e compositor conta como os artistas se sentiam amados antes do advento da internet. Faziam shows e eram aplaudidos; saíam às ruas e eram abraçados. A chegada da web, com seus "haters" e "trolls", mostrou que não era bem assim. Lá pelas tantas, Chico não resiste, e tem um frouxo de riso. Está, basicamente, rindo de si mesmo.
Esse bom humor acabou. O autor de "Gota d'Água" não aguenta mais qualquer desatenção, e decidiu reagir. Chico está abrindo um processo contra o antiquário paulistano João Pedrosa, que chamou seus familiares de "ladrões" num comentário a uma foto publicada no perfil do Instagram de sua filha Sílvia.
De nada adiantou o pedido público de desculpas do acusado. Chico vai levar o processo adiante. Seu advogado João Tancredo declarou que, em caso de vitória na Justiça, quer que a sentença seja publicada na internet e em jornais de grande circulação, "para servir de exemplo".
Pedrosa, que é bastante conhecido no meio das artes plásticas de São Paulo, não foi o único a ofender Chico Buarque numa rede social. Há tempos que o cantor é alvo de todo tipo de ataque, fomentados implicitamente por colunistas conservadores e levados a cabo por gente mal informada.
Pois não é verdade que ele viva às custas do Erário, ou que mame nas tetas da Lei Rouanet, ou que tenha qualquer vantagem material por causa de seu apoio declarado ao PT. Chico já era um dos maiores nomes da MPB muito antes de Lula chegar ao poder. Seus discos podem não vender mais quanto antes (quase ninguém vende), mas os ingressos para seus shows ainda se esgotam rapidamente. E o famoso apartamento em Paris, tão citado por seus inimigos, foi comprado há décadas, com o suor do próprio rosto.
Chico também processará Guilherme Gaion Junqueira Motta Ruiz, um dos componentes do grupo que o assediou numa rua do Leblon, no Rio, em dezembro passado. O artista relevou o incidente em si, mas não perdoou o fato de Gaion ter postado depois, no Facebook, um "meme" que dizia "Oi, eu sou o Chico e vivo dos seus impostos".
Dá para imaginar o nível de irritação a que chegou um cara normalmente "de boas" para tomar uma atitude dessas? Talvez tenha sido a combinação de uma escaramuça pública com as ofensas gratuitas a sua família. Ainda assim, é de se admirar, porque qualquer processo é uma aporrinhação para todas as partes envolvidas.
Vai dar certo? Chico Buarque conseguirá calar seus caluniadores? Provavelmente, não. Já existem muitos casos de pessoas que foram condenadas por injúrias proferidas online. Mas nenhum deles serviu para intimidar a massa de agressores, predominantemente anônimos, que continuam a lançar suas pedradas virtuais.
Esse caso é só mais um sintoma dos tempos crispados que vivemos hoje. Para um sujeito quase "zen" como Chico Buarque perder as estribeiras, é porque a coisa está feia mesmo. E digo mais: acho que vai piorar.
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