Patrocínio da Guiné Equatorial à Beija-Flor saiu pela culatra
Depois de amargar o sétimo lugar na disputa do ano passado, a Beija-Flor de Nilópolis sagrou-se a grande campeã do Carnaval carioca de 2015. De nada adiantaram as críticas ao patrocínio recebido pela escola: cerca de dez milhões de dólares, vindos de uma das mais sangrentas ditaduras da África.
O governo da Guiné Equatorial nega ter desembolsado tamanha soma, e os dirigentes da agremiação alegam que o dinheiro teria vindo de empresas brasileiras com interesses naquele país. Só que ninguém está acreditando nesta versão. O samba-enredo "Um griô conta a história: um olhar sobre a África e o despontar da Guiné Equatorial" é mais do que chapa-branca. É cabotino, puxa-saco, sicofanta. E fica ainda mais feio quando contrastado com a triste realidade daquela pequena nação.
O ditador Teodoro Obiang é um entusiasta do carnaval e do Brasil. Já esteve no sambódromo do Rio de Janeiro algumas vezes, e possui imóveis tanto naquela cidade quanto em São Paulo. Chegou a contratar a bateria e alguns passistas da Beija-Flor para apresentações "privé".
Foi graças a esta proximidade que a escola de Nilópolis despachou uma comitiva para Malabo, a capital da Guiné Equatorial. Foram de pires na mão, pedir uma ajudinha para o desfile deste ano. Conseguiram.
Obiang deve ter pensado que estava fazendo um bom negócio. Tornaria seu país conhecido por milhões de brasileiros e atrairia investimentos e turistas. Uma ousada ação de marketing, semelhante à de muitas empresas que bancaram escolas de samba - inclusive a PDVSA, a estatal venezuelana do petróleo, que garantiu o campeonato de 2006 para a Vila Isabel.
Acostumado com a imprensa amordaçada de seu país, Obiang não se lembrou de que ela é livre no Brasil. Meses antes do desfile, os jornais já apontavam a origem espúria do financiamento da Beija-Flor. Durante o carnaval, a grita foi tão grande que nem a Globo pode ignorar o escândalo. Seus comentaristas não tocaram no assunto durante a apresentação da escola na madrugada de segunda (16) para terça (17), mas finamente romperam o silêncio ao longo da apuração e nos telejornais seguintes.
O tiro de Obiang saiu pela culatra. A Guiné Equatorial, antes quase desconhecida, agora está com a imagem definitivamente manchada na cabeça dos brasileiros que acompanham o noticiário. E não é só ela: a própria Beija-Flor sai arranhada deste episódio. Ainda mais depois das suspeitíssimas notas dez que os jurados lhe deram no quesito evolução, onde a escola foi nitidamente mal.
Claro que não é de hoje que dinheiro sujo financia as escolas de samba, e não só as cariocas. Bicheiros, traficantes, milicianos e chefes de violentas torcidas organizadas dominam as diretorias de muitas dessas entidades, num jogo pelo poder sobre as comunidades que não raro descamba para a violência.
Mas a entrada da Guiné Equatorial na avenida - o país com o terceiro maior PIB per capita da África, que no entanto mantém dois terços de sua população na mais absoluta miséria - é de uma baixeza inédita.
Os integrantes da Beija-Flor estão felizes com mais essa vitória, e eu fico feliz por eles. Mas, sem querer estragar a festa, quero lembrar que a marca Beija-Flor saiu mais pobre desse imbróglio. E não há luxo que disfarce.
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