Tony Goes

Por que nossa propaganda insiste em maltratar os estrangeiros?

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"Eu mudei completamente a concepção que eu tinha dos argentinos. São muito animados, combinam com os brasileiros", disse um rapaz carioca a um telejornal desta segunda-feira (16). "São todo muito amigos, muito queridos", retrucou outro, pintado com as cores da Colômbia. "Então eu me rendi."

Cenas como estas estão se repetindo de norte a sul. Contaminados pela empolgação dos turistas que vieram torcer por seus países na Copa, muitos brasileiros estão aderindo às farras de outras bandeiras. E descobrindo, com certa surpresa, que somos todos parecidíssimos.

O espanto é justificado. Nossa cultura popular costuma pintar os estrangeiros com as piores cores possíveis. Alemães são arrogantes, franceses não tomam banho, latino-americanos são "cucarachas". E lááá embaixo, no último degrau antes das chamas do inferno, estão os piores de todos: os argentinos.

Esses estereótipos são reforçados pela propaganda. Agora mesmo está no ar uma campanha de cerveja onde brasileiros tripudiam de torcedores ingleses e italianos. Claro que é só uma brincadeira, mas vai na contramão dos materiais educativos que diversas cidades prepararam para que a população receba bem os visitantes.


Pior ainda foi o comercial de guaraná veiculado no começo deste ano, onde Neymar e seus amigos "ensinavam" estrangeiros a pedir a bebida com palavras autodepreciativas. Pegou tão mal que houve até deputado querendo tirar a publicidade do ar.

E isto sem falar da maneira como os argentinos costumam ser retratados: cabeludos, esnobes, sem ginga, sem borogodó. Ok, a rivalidade no futebol justifica este tipo de humor. Mas o problema é que ele acaba pegando —e quem não conhece um argentino pessoalmente pode achar que são todos assim.

Esta talvez seja uma vantagem inesperada da Copa. A enxurrada de torcedores estrangeiros (principalmente dos países vizinhos) está fazendo bem para os brasileiros. Estamos percebendo que os gringos gostam das mesmas coisas que nós, só que em outras línguas. E deixando de lado os nossos preconceitos.

Mas quando será que a propaganda vai acompanhar esta mudança de mentalidade? Mostrar que não enxergamos mais o turista como um idiota a ser depenado, ou como uma criatura inferior só porque ele não tem samba no pé?

Quem sabe, talvez, nas Olimpíadas de 2016.

Tony Goes

Tony Goes (1960-2024) nasceu no Rio de Janeiro, mas viveu em São Paulo desde pequeno. Escreveu para várias séries de humor e programas de variedades, além de alguns longas-metragens. Ele também atualizava diariamente o blog que levava seu nome: tonygoes.com.br.

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