Tony Goes

Disco novo de Caetano rema contra corrente dos hits atuais

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Ai, ai me Deus, mas o que foi que aconteceu com a música popular brasileira? Rita Lee cantou esses versos em "Arrombou a Festa" no distante ano de 1979, quando Chico Buarque ainda tocava no rádio e Maria Bethânia vendia um milhão de cópias de cada um de seus discos.

Hoje, mais de 30 anos depois, Chico e Bethânia continuam em plena atividade. Ainda lotam shows por todo o Brasil, mas se tornaram "cult". Pouco aparecem na TV e suas canções não entram na trilha das novelas. A própria Rita Lee acaba de perder o patrocínio de um banco para sua turnê por ter baixado as calças em pleno palco e mostrado a bunda para a plateia.

A música brasileira embregou - ou, se quisermos ser politicamente corretos, se desintelectualizou. Há muita coisa boa nessa onda, como o tecnobrega sem fronteiras de Gaby Amarantos. Mas também há um excesso de tchu-tchá-tchá.

Até aí tudo bem. O pior é que a MPB também encaretou. Nunca tivemos um plantel de ídolos tão conformista quanto Michel Teló, Luan Santana ou Cláudia Leitte. Difícil imaginar um Ney Matogrosso surgindo nos dias de hoje e fazendo o mesmo sucesso que fazia em 1973.

É neste cenário algo desolador que Caetano Veloso lança seu novo disco, "Abraçaço". Segundo ele, é o final da trilogia que inclui "Cê" e "Zii e Zie", gravados com um grupo de jovens músicos depois de mais de uma década embalado pelas cordas de Jacques Morelenbaum.

Crédito: Patricia Stavis/Folhapress Caetano Veloso no lançamento do seu novo disco, "Abraçaço"
Caetano Veloso no lançamento do seu novo disco, "Abraçaço"

"Abraçaço" talvez passasse despercebido se não viesse de um nome do tamanho de Caetano. Ele rema vigorosamente contra a corrente dos hits atuais. Não há canções-chiclete, dessas que grudam na cabeça. O que há são 12 faixas relativamente difíceis, que demandam atenção do ouvinte.

E tudo isto sem o experimentalismo eletrônico de "Recanto", o disco radical que Caetano lançou ano passado com vocais de Gal Costa. Os arranjos de "Abraçaço" são mais tradicionais, mais acústicos, mas também bebem de muitas fontes. A pegada roqueira dos discos anteriores foi suavizada com muito violão e toques de funk, pagode e maracatu.

Muito tem se falado da tristeza que transborda de "Abraçaço". Apesar do título afetuoso, o que se percebe é um Caetano solitário e melancólico (mas não amargurado). Acho que ele realmente está precisando de um abraço.

De resto, como é divertido tentar adivinhar as pistas da letra de "A Bossa Nova é Foda" - na definição do próprio autor, um jogo de palavras cruzadas em forma de música. E que bom que alguém ainda escreve canções escancaradamente políticas como "O Império da Lei" (" há de chegar no coração do Pará") ou "Um Comunista", uma biografia musical com mais de oito minutos sobre o guerrilheiro Carlos Marighella.

Sei que passo recibo de velho quando reclamo da música atual e digo que "a do meu tempo" era melhor. Mas sinto que, aos 52 anos, sou mais jovem que muitos dos moleques que empesteiam nossos ouvidos nos dias que correm. Ainda bem que existe Caetano Veloso. O cara é foda.

Tony Goes

Tony Goes (1960-2024) nasceu no Rio de Janeiro, mas viveu em São Paulo desde pequeno. Escreveu para várias séries de humor e programas de variedades, além de alguns longas-metragens. Ele também atualizava diariamente o blog que levava seu nome: tonygoes.com.br.

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