Tony Goes

A fúria do deputado Protógenes contra o urso Ted

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Quando eu era adolescente, o Brasil vivia sob a ditadura militar e a censura era rigorosíssima. Filmes de inegável valor artístico como "A Laranja Mecânica", de Stanley Kubrick, eram simplesmente vetados na íntegra.

Outros que hoje em dia passariam tranquilamente na "Sessão da Tarde" eram proibidos para menores de 18 anos. Como eu já era grandalhão aos 14, falsifiquei uma carteirinha de estudante, como todos os garotos da minha idade. E assim consegui ver essa apologia à lascívia e aos maus costumes que é "Golpe de Mestre".

O Partido Comunista do Brasil também era proibido nessa época. Mas agora um de seus mais distintos quadros, o deputado federal por São Paulo Protógenes Queiroz, manifesta uma saudade insuspeita dos anos de chumbo, quando o estado funcionava como babá dos cidadãos.

Crédito: Reprodução Ursinho fuma maconha
Ursinho fuma maconha

Foi o caso mais comentado dos últimos dias. Protógenes levou seu filho de 11 anos ao cinema no domingo passado. Que pai extremoso, não é mesmo?

Só que ele não cumpriu uma das tarefas básicas que seu papel exigia. Escolheu um filme sem saber exatamente do que se tratava. Deve ter achado que a comédia "Ted" conta as aventuras e desventuras de um ursinho falante.

Até conta, mas de carinhoso esse ursinho não tem nada. "Ted" é o primeiro longa-metragem dirigido por Seth MacFarlane, que criou as séries em animação "Family Guy" e "American Dad" (exibidas no Brasil pelo canal pago Fox). O cara é conhecido por seu humor iconoclasta, e, em sua primeira incursão pela telona, deu as feições de um brinquedo inocente ao lado perverso de seu protagonista.

"Ted" foi um grande sucesso de bilheteria nos Estados Unidos, onde recebeu a classificação "R" --equivalente ao "impróprio para menores de 16 anos" que o filme obteve no Brasil. Só que aqui, se acompanhada por um dos pais, qualquer criança entra em qualquer filme (nos EUA o rótulo NC-17 impede a entrada de menores de 18 anos completos, mesmo se acompanhados pela família inteira).

Protógenes diz que leu a sinopse, mas não se deu ao trabalho de ver o trailer de "Ted" na internet. Nem reparou no material promocional do filme, que alerta explicitamente sobre a presença de "conteúdo sexual, linguagem ofensiva, prostitutas e uso de drogas". Estava hipnotizado pela fofura do ursinho.

Quando se deu conta de seu erro, era tarde demais. E depois foi ao Twitter jogar a própria culpa nos outros. Criou a "hashtag" #foraFilmeTed e agora quer que nem os maiores de 120 anos consigam assistir ao filme, que ele insiste em chamar de "infanto-juvenil". O deputado prega a volta da censura, como nos bons velhos tempos em que seu partido vivia na clandestinidade.

O lado bom dessa história é que, mesmo na onda conservadora que atravessamos hoje, o ridículo dessa atitude não foi perdoado. Protógenes virou chacota nacional. Sites e redes sociais pululam de sugestões e alertas: "cuidado para não levar o guri para ver um filme da Buttman (uma produtora pornô) achando que é do Batman!", e assim por diante.

"Ted" pode ser nojento, degradante e até sem graça nenhuma. Não vi e nem está na minha lista. Mas não é por causa do ranço autoritário de um sujeito desinformado que quem quiser ver o filme deixará de vê-lo. Democracia, inclusive, é o direito de consumir porcaria.

O Ministério da Justiça já declarou que a classificação de "Ted" é adequada e que o filme não pode ter sua exibição suspensa. O único resultado concreto desse moralismo descabido é o "bullying" virtual que Protógenes Queiroz está sofrendo.

Quase me deu pena. Quase.

Tony Goes

Tony Goes (1960-2024) nasceu no Rio de Janeiro, mas viveu em São Paulo desde pequeno. Escreveu para várias séries de humor e programas de variedades, além de alguns longas-metragens. Ele também atualizava diariamente o blog que levava seu nome: tonygoes.com.br.

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