Tony Goes

A zona sul de "Avenida Brasil" é a terra dos semibichas

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A Globo é uma emissora carioca e sempre foi acusada pelos telespectadores do resto do país de privilegiar em demasia sua cidade natal. Mais da metade das novelas do canal se passa no Rio de Janeiro, inclusive por causa das facilidades de produção. Ou melhor: se passa na zona sul do Rio, onde se concentram os cartões-postais.

Um dos muitos méritos de "Avenida Brasil" foi situar suas tramas principais na zona norte, longe da praia e das atrações turísticas. Quase todos os personagens moram no Divino, um bairro fictício onde os moradores, ricos ou pobres, convivem em quase perfeita harmonia.

Na distante zona sul, só está o núcleo Cadinho (Alexandre Borges) - ele próprio divinense de nascença, fato poucas vezes mencionado ao longo da novela. Nos próximos capítulos, o ex-ricaço voltará às origens, fugindo da sanha materialista de suas três mulheres, e se encantará com a vida simples do lugar.

Enquanto isto, Monalisa (Heloísa Perissé) faz o movimento contrário: por insistência do filho, ela compra um apartamento de frente para o mar, disposta a se instalar do outro lado do túnel.

Crédito: João Cotta/TV Globo Monalisa (Heloísa Périssé) saiu do Divino e se mudou para a zona sul em "Avenida Brasil"
Monalisa (Heloísa Périssé) saiu do Divino e se mudou para a zona sul em "Avenida Brasil"

É uma adaptação difícil. Apesar de ser uma empresária bem-sucedida, ela se sente esnobada pela vizinhança. Mas o pior são mesmo os homens sem "pegada" que habitam a orla.

"Na zona sul, só tem semibicha", reclama a melhor amiga de Monalisa, a fogosa Olenka (Fabíula Nascimento). O que só foi confirmado quando a cabeleireira beijou o arquiteto que fará a reforma de seu novo apê, Miguel (Renato Scarpin): "parece nata de leite, nem mole nem duro".

É natural que a ascensão da nova classe C implique em novos valores. Mas dizer que Ipanema, Leblon e arredores só têm homens frouxos é um pouco demais. Qualquer outro ponto do país se ofenderia com essa afirmação. Já haveria campanha nas redes sociais pedindo a cabeça dos autores de "Avenida Brasil", ou no mínimo uma retratação.

Mas o pessoal da zona sul está deixando barato. Vai ver que sabem que toda obra de ficção precisa carregar nas tintas e que essa demonização de um dos lugares mais bonitos do Brasil é só um sintoma do momento sócio-político que estamos atravessando.

Além do mais, novela nenhuma sai do lugar se for fiel à realidade. Ignoram solenemente o interfone, caso contrário nenhum personagem seria surpreendido por uma visita indesejada. Aliás, toda vez que alguém precisa falar com outro alguém, vai falar pessoalmente, nem que para isto precise atravessar a cidade. Parece que a telefonia celular ainda não foi inventada.

Muito menos a internet. Nesta semana, Carminha (Adriana Esteves) e Max (Marcello Novaes) conseguirão roubar de Nina (Débora Fallabella) as tais das fotos comprometedoras. Fotos físicas, impressas; não duvido que também consigam se apoderar dos negativos.

Como é que Nina, tão moderna e antenada, não pensou em arquivar essas fotos na rede? Bastava incluí-las num e-mail para si mesma. Mas a era digital ainda não começou em "Avenida Brasil". A novela retrata os novos tempos com novos cenários, mas ainda tem um pé no já distante século passado.

Tony Goes

Tony Goes (1960-2024) nasceu no Rio de Janeiro, mas viveu em São Paulo desde pequeno. Escreveu para várias séries de humor e programas de variedades, além de alguns longas-metragens. Ele também atualizava diariamente o blog que levava seu nome: tonygoes.com.br.

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