Tony Goes

"Os Borgias": uma família mafiosa no Vaticano

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Um coroinha derrama um pó suspeito dentro do vinho da comunhão. O padre dá um gole durante a consagração e cai enquanto distribui a hóstia aos fiéis, mas não morre. O veneno era pouco.

Acamado, ele recebe a visita do mandante do atentado: "vai continuar lutando contra nós?". Enquanto isto, um capanga afoga o coroinha dentro de um poço. Quem mandou errar a dose?

Essa foi só a sequência de abertura da segunda temporada de "Os Borgias" (TNT). Envenamentos, punhaladas e torturas são frequentes em cada episódio do programa. A família que dá nome à série é formada por "gangsters" que nada ficam a dever aos mafiosos de hoje em dia, tanto nos métodos quanto nas intenções. A única diferença é que agem dentro da Igreja Católica.

"Os Borgias" foca no papado de Alexandre 6o, na passagem do século 15 para o 16. É um período interessantíssimo: o Renascimento está a pleno vapor, a América acabou de ser descoberta e o jogo de forças na Europa passa por um realinhamento, com a emergência de potências como a Espanha ou a França.

Esta nova realidade obriga o Vaticano a lutar com todas as forças para manter o poder que tinha na Idade Média. E esta luta não tem nada de retórica: envolve intrigas, traições e até mesmo guerras, sob o comando do pontífice mais corrupto de todos os tempos.

Rodrigo Borges era um cardeal espanhol (Borgia é a versão italianada se seu sobrenome) que, garantem os historiadores, comprou votos suficientes para ser eleito papa em 1492, com o nome de Alexandre 6o. Também dizem que teve nada menos do que 12 filhos, de diferentes amantes. Um deles passou à posteridade como sinônimo de maldade: Lucrécia, até hoje o nome mais comum para as vilãs das novelas mexicanas.

Mas a Lucrécia que se vê na série é um anjo de candura, pelo menos até o momento. Já seu pai e seus irmãos (um deles já nomeado cardeal, antes mesmo dos 30 anos) não têm o menor pudor de cometer os crimes que forem necessários para expandir a influência do clã.

Como programa de TV, "Os Borgias" é um descendente direto do sucesso de "A Família Soprano", o seriado da HBO que marcou época ao deslindar o dia-a-dia dos mafiosos contemporâneos. Mas, ao invés de controlar o tráfico de drogas numa região ou cobrar taxas "de proteção" de pequenos comerciantes, o papa e sua prole querem mesmo é dominar o mundo.

O diretor da série é ninguém menos que Neil Jordan, que vem de sucessos no cinema como "Traídos pelo Desejo" e "Entrevista com o Vampiro". É evidente o prazer que ele sente em reconstituir as barbaridades da época, como a sinistra mesa montada pelo rei Ferrante, de Nápoles, com os cadáveres empalhados de seus inimigos.

Mas a maior atração do programa é mesmo Jeremy Irons, que ganhou um Oscar por "Reverso da Fortuna" e é especialista em papéis de moralidade dúbia. Seu papa Alexandre 6o é perverso e sensual, e também um político extremamente hábil.

São tantas as intrigas que basta uma ligeira distração para perdermos o fio da meada. Mas a atenção é recompensada: "Os Borgias" é uma aula de história divertida e fascinante.

Tony Goes

Tony Goes (1960-2024) nasceu no Rio de Janeiro, mas viveu em São Paulo desde pequeno. Escreveu para várias séries de humor e programas de variedades, além de alguns longas-metragens. Ele também atualizava diariamente o blog que levava seu nome: tonygoes.com.br.

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