"CQC", Hillary Clinton e a colisão entre jornalismo e humor
O debate sobre os limites do humor acaba de ganhar mais um capítulo conturbado. Desta vez não foi nenhuma celebridade que se sentiu ofendida com uma gracinha fora de hora, mas toda uma categoria profissional: os jornalistas.
A colisão aconteceu ontem à tarde, em Brasília, durante um encontro entre Hillary Clinton, secretária de Estado dos EUA, e Antonio Patriota, nosso ministro das Relações Exteriores. Cerca de uma centena de repórteres e fotógrafos cobriam o evento, que também era transmitido ao vivo pela TV.
Foi então que Mauricio Meirelles, do "CQC" (Band), gritou "I love you, Hillary" várias vezes e causou um ligeiro tumulto. Não satisfeito, ele ainda ofereceu uma máscara de carnaval e um charuto à chanceler americana, zoando com a balada de que ela participou na Colômbia e com o caso adúltero de seu marido Bill com Monica Lewinsky.
Houve gritaria, tentativas de agressão por parte de outros jornalistas e até mesmo uma reclamação formal da Globo junto ao Itamaraty. Meirelles de fato provocou uma baderna num momento jornalístico de uma certa importância e acabou roubando os holofotes para si.
Detalhe crucial: ele estava devidamente credenciado para cobrir o evento. E aí surge a pergunta que não quer calar: faz sentido credenciar humoristas como se fossem jornalistas? Dá para imaginar Didi, Dedé, Mussum e Zacarias viajando no avião presidencial e cobrindo uma viagem de Dilma ao exterior?
A notícia foi publicada ontem no blog do Mauricio Stycer e alcançou enorme repercussão. Hoje Stycer subiu um novo post com a opinião do jornalista Gabriel Priolli. Concordo com ambos: não se trata de coibir a liberdade de expressão.
O "CQC", o "Pânico" e outros programas desempenham um papel importantíssimo ao afrontar os poderosos de plantão, cumprindo uma função crítica que o jornalismo objetivo muitas vezes não pode realizar. São bobos da corte contra o rei e a favor do povo.
Mas transformar tudo e qualquer coisa em mero pretexto para palhaçadas é um tremendo exagero. Hillary Clinton não é exatamente uma mulher-fruta que mereça ser exposta ao ridículo - o que não quer dizer que ela seja intocável, é óbvio.
Mais uma vez, o limite do humor é ele mesmo. O humor perde todo seu sentido quando deixa de ser engraçado. Ainda não vi as imagens do fuzuê de ontem - o "CQC" da semana que vem provavelmente irá deitar e rolar - mas por enquanto não achei graça nenhuma.
O curioso é que a própria Hillary parece estar se divertindo com tudo isto, ou pelo menos não está se incomodando. A secretária anda em plena campanha para passar uma imagem descontraída, pois a fama de profissional competente ela já conquistou.
Deixou-se fotografar dançando e bebendo numa boate em Cartagena. Semana passada, aderiu com prazer ao blog satírico "Texts from Hillary", que publicava mensagens falsas que ela teria mandado para politicos e artistas. Tem dado certo: já está cotadíssima para a sucessão presidencial americana de 2016.
Mas a senhora Clinton é só um detalhe nesse debate todo. O que interessa aqui é saber se vale a pena manter nítida a fronteira entre jornalismo e humor, ou se uma esbarrada de vez em quando ajuda a democracia. Tendo a achar que sim - mas só de vez em quando.
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