"Avenida Brasil", ou Branca de Neve no lixão
Era uma vez uma linda menininha que vivia com seu pai e sua madrasta. Um dia o pai morreu e a madrasta resolveu se livrar da garota. Chamou um capanga e mandou ele a levasse para um lugar ermo e perigoso, para que ela nunca mais voltasse.
Existem inúmeras variações da história de "Branca de Neve", mas o ponto de partida é sempre o mesmo: a madrasta que quer matar a enteada. Agora mesmo existem dois novos filmes americanos prestes a estrear nos cinemas, "Espelho, Espelho Meu" e "Branca de Neve e o Caçador", e também uma série de TV, "Once Upon a Time", que chega em breve ao canal Sony.
É um arquétipo tão forte que também serviu de premissa para "Avenida Brasil", a novela que estreou segunda passada na Globo. A floresta do conto original virou um lixão e a rainha má agora se chama Carmen Lúcia. Que não está interessada em ser a mais bela do reino: só a mais rica.
"Avenida Brasil" estreou com aplausos unânimes, inclusive dos críticos mais implacáveis de hoje: os tuiteiros. Até Aguinaldo Silva, autor da antecessora "Fina Estampa", admitiu a qualidade da nova novela. Mas claro que ele não se conteve e apontou que a audiência caiu, olha só que danadjiiinho.
É cedo para saber se "Avenida Brasil" vai mesmo emplacar, além do mais porque ainda estamos na primeira fase. Por enquanto a ação se passa em 1999 --mas que ação, hein? Os três primeiros capítulos foram eletrizantes e com um cuidado de produção que lembra o cinema. Nem se demoraram a apresentar os personagens, que, aliás, ainda são poucos.
Mas primeiras fases costumam enganar. "Renascer", novela de Benedito Ruy Barbosa exibida em 1993, teve uma primeira fase gloriosa, que durou apenas cinco capítulos. Depois a trama deu um pulo de uns vinte anos, e o nível nunca mais foi o mesmo. Muita gente ainda reclama de Mariana, um personagem desagradável feito pela então novata Adriana Esteves.
A mesma Adriana agora se redime com o melhor papel de toda sua carreira. Ela está sensacional como Carmen Lúcia: vulgar, egoísta e totalmente crível, coisa que a "falecida" Tereza Cristina nem tentava ser. Mas será que Débora Falabella será uma antagonista à sua altura?
Implico um pouco com Débora Falabella. Para começar, ela já tinha 20 anos em 1999, enquanto que Mel Maia --a menina-prodígio que interpreta Rita nesta primeira fase da novela-- tem apenas sete. Até aí, tudo bem: é mais do que comum atores interpretarem personagens mais jovens do que eles mesmos.
Acontece que eu simplesmente não vou com a cara de Débora. Coitada, ela nunca me fez nada. Nutro-lhe uma antipatia completamente gratuita, e quero só ver se ela vai ser capaz de segurar essa peteca.
O desafio não é só dela. Branca de Neve era uma figura totalmente passiva, que caía em sono profundo enquanto os anões e o príncipe cuidavam da bruxa. A Rita/Nina de "Avenida Brasil" não será: o autor João Emanuel Carneiro já avisou que ela é uma espécie de Flora, a vilã de "A Favorita", mas "do bem". Vai ser interessante ver como ele consegue resolver esta contradição. Ou melhor, se consegue.
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