Tony Goes

"Esquenta!" de Regina Casé consegue ser popular sem ser brega

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Deus me livre e guarde dos programas de auditório. Aquela luz chapada, aqueles apresentadores forçadamente simpáticos, aquela plateia teleguiada Não tenho mais paciência para o gênero. Mas abro uma honrosa exceção para o "Esquenta!" (Globo), comandado por Regina Casé.

O horário do programa é meio ingrato: meio-dia e meia de domingo, quando ainda estou sob o efeito da balada da noite anterior. Mas, todas as vezes em que esbarrei com ele, não consegui mais mudar de canal.

O "Esquenta!" tem uma enorme vantagem sobre a maioria de seus congêneres: não é ao vivo e nem finge que é. Os cortes são perceptíveis de uma atração para a outra, o que poupa o espectador das intermináveis despedidas em cena. O ritmo é ágil e o público parece realmente animado, sem estar obedecendo àquelas avisos luminosos de "aplauso".

Aliás, não é nítida a fronteira entre público e atrações. Claro que isto é proposital: temos a sensação de que, a qualquer momento, alguém vai se levantar da plateia e participar de algum número. O cenário também é um caos organizado, onde cabem mesas de boteco, garçons, barraca de feira livre, pipoqueiro e sabe-se lá mais o quê.

No meio disso tudo está Regina Casé, feliz como um pinto no lixo. Antes da estreia do "Esquenta!", no começo de 2011, ela se dizia receosa de encarar um auditório. Bobagem: Regina parece ter nascido para isto. É seu melhor papel em muitos anos.

Sempre gostei muito dela, mas não sou seu fã incondicional. Ela às vezes me irritava quando queria aparecer mais que seus entrevistados, principalmente em alguns de seus quadros no "Fantástico". Mas encontrou o ponto certo no "Esquenta!": dá espaço aos convidados, mas tem sempre alguma colocação engraçada a fazer.

E que convidados, hein? A fina flor da "MMMMPB": a música muito muito mais popular brasileira, na definição da própria Regina. Michel Teló, Gaby Amarantos, Zeca Pagodinho e mais um sem-número de funkeiros e pagodeiros. A apresentadora se gaba de que seu gosto musical sempre foi mais "povão", e que finalmente é esse povão quem dá as cartas agora, com a ascensão da badalada "nova classe C".

De fato, o que se vê no palco do "Esquenta!" é um Brasil que se assume suburbano, periférico, divertido, mas sem breguice ou preconceito. É um Brasil idealizado, sem dúvida, e ainda distante do país real. Mas parece ao alcance da mão.

Críticas, tenho duas. A primeira tem a ver com o repertório: sinto falta de mais cantores do interiorzão, dos sertanejos, até mesmo dos paulistanos. A maioria das atrações vem do Rio e do Nordeste. Se o "Esquenta!" quer mesmo retratar o Brasil, precisa olhar mais para dentro do país, não só para o litoral.

A segunda crítica é técnica. Porque insistir naquela iluminação chapada, fortíssima, que acaba com qualquer possibilidade de sombra e contaste? É o padrão habitual dos programas de auditório no Brasil (no exterior nem sempre é assim), e o resultado é que fica difícil distinguir o que é figura e o que é fundo. Ainda mais na zona visual que é o "Esquenta!".

Mas o objetivo principal foi atingido. Regina e sua equipe conseguiram criar um clima de festa democrática, onde é só ir chegando. Uma espécie de "Almoço com as Estrelas" pós-moderno. Quando o "Esquenta!" termina, estou sempre com vontade de tomar caipirinha e comer pastel.

Tony Goes

Tony Goes (1960-2024) nasceu no Rio de Janeiro, mas viveu em São Paulo desde pequeno. Escreveu para várias séries de humor e programas de variedades, além de alguns longas-metragens. Ele também atualizava diariamente o blog que levava seu nome: tonygoes.com.br.

Final do conteúdo
  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Comentários

Ver todos os comentários Comentar esta reportagem

Últimas Notícias