Tony Goes

"Cavalo de Guerra" e a infância interminável de Spielberg

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O livro "Cavalo de Guerra", de Michael Mopurgo, foi publicado 30 anos atrás. Mas a história só caiu mesmo no gosto do público quando foi adaptada para o teatro em 2007, numa encenação que usava imensas marionetes equinas, manipuladas por técnicos em pleno palco. A montagem londrina fez tanto sucesso que chegou ano passado à Broadway, onde ainda está em cartaz.

Também atraiu a atenção de Steven Spielberg, e parece mesmo que foram feitos um para o outro. "Cavalo de Guerra" reúne todos os elementos típicos da obra do diretor mais bem-sucedido de todos os tempos: aventura, heroísmo, guerra, inocência perdida e o desejo de voltar para casa. Aliás, o desejo de voltar para um tempo passado - a infância.
A infância e a adolescência são o grande assunto spielberguiano. Estão presentes, obviamente, em "E.T. --o Extraterrestre", mas também na série "Indiana Jones" (o prazer da descoberta do mundo) e nas correrias provocadas por dinossauros ou alienígenas. Numa chave mais séria, também é o tema do excelente "A.I. --Inteligência Artificial", talvez o título mais injustiçado de toda a carreira do diretor.

Na extensa filmografia de Spielberg, creio que haja um único filme 100% adulto, e apenas um. Não é "A Cor Púrpura", que diluiu o erotismo presente no livro de Alice Walker para conseguir ser liberado para menores. Tampouco "O Resgate do Soldado Ryan" ou "A Lista de Schindler", que, apesar de retratarem os horrores da 2ª Guerra Mundial, não deixam de resvalar para a pieguice em vários momentos cruciais.

Crédito: Divulgação Cena de "Cavalo de Guerra", novo longa de Steven Spielberg
Cena de "Cavalo de Guerra", novo longa de Steven Spielberg

O único Spielberg totalmente adulto na forma e no conteúdo é "Munique", uma meditação sobre a culpa disfarçada de thriller político. Ainda assim, o agente israelense feito por Eric Bana termina sonhando com a inocência que perdeu ao longo do filme. Mas, em "Munique", Spileberg demonstra uma maturidade inexistente em obras como "Hook --A Volta do Capitão Gancho", um "Peter Pan" requentado que não passa de um tolo tratado sobre o medo de crescer.

Já "Cavalo de Guerra" é um Spielberg "clássico", para ser visto em família, com cenas edificantes, tomadas de tirar o fôlego e uma ou outra lágrima. Mas, apesar da grandiosidade da produção, é um filme tímido, quase antiquado. Os enquadramentos e o colorido lembram os "live action" da Disney dos anos 50. E o rodízio de personagens na tela - os muitos donos do cavalo do título, que vai passando de mão em mão em plena 1a. Guerra - dificulta o envolvimento emocional do espectador.

É um bom filme e periga ser um dos indicados ao Oscar, daqui a duas semanas. Mas não inova em nada e não acrescenta nada ao Spielberg que já conhecíamos.

Poucos diretores sabem falar tão bem com crianças e adolescentes, inclusive com os que temos dentro de nós mesmos. Eu, por exemplo, estou louco para ver "As Aventuras de Tintin", que estreia daqui a alguns dias. Mas também adoraria que ele se deixasse crescer e fizesse mais coisas como "Munique". O Spielberg adulto ainda tem muito a dizer.

Tony Goes

Tony Goes (1960-2024) nasceu no Rio de Janeiro, mas viveu em São Paulo desde pequeno. Escreveu para várias séries de humor e programas de variedades, além de alguns longas-metragens. Ele também atualizava diariamente o blog que levava seu nome: tonygoes.com.br.

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