Thiago Stivaletti

Entre Martin Sheen e Fernanda Montenegro, um abismo de culturas

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Eu sei, sou noveleiro por formação, ou deformação. Quem está atrás de diversão mais inteligente hoje está vendo as dezenas de séries maravilhosas que os EUA fazem melhor do que ninguém - na Netflix, na HBO, no download do computador.

Acho que desde "Friends" eu não devorava tão rápido uma série de comédia como "Gracie & Frankie", da Netflix. A história já parte de um absurdo bem improvável: Jane Fonda e Lily Tomlin, engraçadíssimas, ambas com mais de 70 anos, acabaram de terminar seus casamentos de 40 anos. O motivo: seus maridos, sócios da vida inteira, acabaram de se assumir gays e vão viver juntos.

Crédito: Divulgação Lily Tomlin, June Diane Raphael and Jane Fonda na série "Gracie & Frankie"
Lily Tomlin, June Diane Raphael and Jane Fonda na série "Gracie & Frankie"

Ao longo dos 13 episódios, contei pelo menos quatro selinhos entre Martin Sheen e Sam Waterston, que vivem o novo casal gay. E não pude deixar de lembrar do surto de rejeição ao selinho de Fernanda Montenegro e Nathália Timberg no primeiro capítulo de "Babilônia". Que abismo separa uma novela brasileira de uma série americana? Essa onda crescente de intolerância dos valores, associada à bancada evangélica mas muito maior no preconceito conservador de todo um povo, pobre, rico ou classe média, certamente conta.

Mas talvez outra explicação esteja no tom da história contada. Em "Gracie & Frankie", a história é cômica de tão absurda e improvável que é. Estamos o tempo todo num clima de "brincadeira" que faz com que dois homens de 70 anos se beijando passe batido, enquanto o beijo "sério" e dramático de dois cânones da TV brasileira cai como uma bomba entre aqueles que não admitem nem o amor entre duas mulheres, nem o desejo na terceira idade.

É triste admitir, mas estamos a anos-luz do Primeiro Mundo em tudo mesmo, inclusive na TV. A TV americana hoje, incluindo o conteúdo on demand da Netflix, atende hoje nichos muito segmentados, da fantasia violenta de "Game of Thrones" à comédia alternativa de "Orange is the New Black".

Se aqui a Globo vem perdendo algumas batalhas, lá Hollywood também não tem resistido. Pegue uma série como "Demolidor", da Netflix. Enquanto filmes como "Vingadores" são formatados para adolescentes que não ligam para boas histórias ou bons personagens, em "Demolidor" as sequências de ação e adrenalina são equilibradas por um pano de fundo mais "adulto": a concorrência imobiliária predatória no bairro de Hell's Kitchen, em Nova York, região alvo da máfia chinesa com ligações com o poderoso vilão, Wilson Fisk (Vincent d'Onofrio). Se até no mercado dos super-heróis a TV americana anda dando de dez a zero em Hollywood, não sei o que vai sobrar de bom e original para a tela grande.


Thiago Stivaletti

Thiago Stivaletti é jornalista, crítico de cinema e noveleiro alucinado. Trabalhou no "TV Folha", o extinto caderno de TV da Folha, e na página de Televisão do UOL. Viciou-se em novela aos sete anos de idade, quando sua mãe professora ia trabalhar à noite e o deixava na frente da TV assistindo a uma das melhores novelas de todos os tempos, "Roque Santeiro". Desde então, não parou mais. Mesmo quando não acompanha diariamente uma novela, sabe por osmose todo o elenco e tudo o que está se passando.

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