Você viu?

Por que decidi emoldurar pele tatuada de meu marido após sua morte

Empresa americana desenvolveu técnica para embalsamar peles tatuadas como memorial

Algumas das tatuagens preservadas de Chris Wenzel; elas foram removidas cirurgicamente
Algumas das tatuagens preservadas de Chris Wenzel; elas foram removidas cirurgicamente - Arquivo pessoal Save My Ink Forever
  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Descrição de chapéu BBC News Brasil
Jessica Murphy
Toronto

Esta reportagem tem imagens que podem ser consideradas incômodas por alguns leitores

O canadense Chris Wenzel começou a gostar de tatuagens aos nove anos de idade, quando sua tia pediu que ele desenhasse algo para que ela tatuasse na própria pele. O menino acabaria ajudando até a colocar a tinta na tatuagem da tia.

Na adolescência, ele cobriu os dois braços inteiros com desenhos e, já adulto, tornou-se um respeitado tatuador em seu país.

"Ele adorava ver a tinta na pele das outras pessoas, se apaixonava por isso", conta sua mulher, Cheryl, que hoje gerencia com um sócio o estúdio deixado pelo marido.

É que Chris morreu em outubro do ano passado, aos 41 anos, de falência cardíaca, após anos lutando contra uma retocolite ulcerativa, doença crônica que provoca inflamações e lesões no intestino. Ele e Cheryl têm cinco filhos.

Antes de morrer, Chris fez um pedido: queria que suas tatuagens fossem preservadas. Assim como ele, outras pessoas têm buscado formas de manter vivos os desenhos em suas peles, mesmo após elas próprias morrerem.

"Por que eu iria querer que tantas horas de trabalho de tatuagem no meu corpo fossem enterradas comigo?", disse Chris antes de morrer, segundo a mulher.

Cheryl Wenzel acabou descobrindo que já existem serviços para isso no vizinho EUA. Um deles é um negócio familiar de Cleveland, Ohio, chamado Save My Ink Forever ("guarde minha tatuagem para sempre", em tradução livre). Eles trabalham em conjunto com casas funerárias americanas, canadenses e britânicas para preservar tatuagens de pessoas mortas, como um memorial para seus entes queridos.

Michael e Kyle Sherwood, pai e filho, já trabalhavam com embalsamento e funerais quando se deram conta de dois acontecimentos distintos: primeiro, que há estimados 45 milhões de americanos com tatuagens, algo que ganha popularidade no país e no mundo; segundo, que cresce no país também o interesse por funerais e memoriais customizados.

Com isso em mente, eles criaram a Save My Ink Forever para desenvolver técnicas que preservassem a longo prazo as tatuagens em peles humanas.

"Como embalsamadores, já éramos familiarizados com o conceito de preservação de tecidos", diz Kyle Sherwood. "Mas o embalsamento não é um processo permanente, por mais que gostaríamos que fosse. Então começamos a pesquisar e a mesclar algumas técnicas. Foi por tentativa e erro."

Levaram dois anos para desenvolver uma técnica que consiste em remover cirurgicamente a tatuagem e enviá-la a laboratório para preservação. Em seguida, o pedaço de pele é emoldurado com um vidro protetor contra raios ultravioleta. O processo leva, ao todo, cerca de três meses.

"As pessoas guardam urnas (com as cinzas de seus entes queridos) e, para mim, minhas tatuagens são mais significativas do que uma urna sobre a lareira", opina Sherwood. "É um pedaço real da pessoa, que simboliza algo."

Cheryl Wenzel recorreu aos Sherwoods depois da morte de Chris. "Quando meu marido faleceu, metade de mim faleceu com ele", conta. "Não sabia o que fazer. Só sabia que queria levar a cabo sua preservação. Tive de deixar minhas emoções de lado para resolver essa questão."

Como Chris tinha grandes tatuagens cobrindo boa parte de seu corpo, Kyle Sherwood viajou ao Canadá para supervisionar a remoção da pele (em geral, sua empresa costuma lidar com tatuagens menores, removidas cirurgicamente pelos próprios embalsamadores e casas funerárias).

Cheryl escolheu quais tatuagens seriam preservadas – nos braços, mãos, pescoço, peito, costas, coxas e panturrilha –, no maior serviço já feito pela empresa familiar até agora.

Kyle Sherwood diz que o resultado de seu trabalho costuma provocar três tipos de reação: "Existem as pessoas que não gostam – que em geral são pessoas que não têm tatuagens e não conseguem entender o significado que uma tatuagem pode ter", afirma.

"E existem também as pessoas tatuadas que ficam meio que hesitantes quanto a isso (preservação da pele). Por fim, há as pessoas que ficam absolutamente apaixonadas."

A empresa também enfrentou o ceticismo de alguns serviços funerários americanos, que resistiram à ideia. "Dito isso, as pessoas da minha geração são muito receptivas e entendem, mesmo que não necessariamente concordem (com a remoção da pele). Nós, da indústria como um todo, estamos aqui para servir as pessoas e realizar seus desejos."

Ele diz que nem sempre os observadores percebem de imediato que a arte que estão vendo emoldurada é, na verdade, uma pele humana.

"Muitas vezes, você apenas olha como se fosse uma pintura e aprecia a arte", conta. "E uma vez que digere o fato, reflete: 'uau, isso é o remanescente (da pessoa que morreu)'."

No caso de Chris Wenzel, diversas funerárias canadenses negaram o pedido, até que Cheryl encontrou uma que aceitasse trabalhar com a equipe da Save My Ink Forever.

Cheryl tem levado o quadro com as tatuagens do marido a convenções de tatuadores no Canadá. Ela diz que queria preservar as artes no corpo de Chris como um lembrete de que a vida continua após a morte, embora os que ficaram nunca esquecerão as pessoas que perderam.

"Vejo como uma linda arte. Para mim, foi como trazer meu marido de volta. Consigo vê-lo todos os dias", conta.

BBC News Brasil
Final do conteúdo
  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Comentários

Ver todos os comentários Comentar esta reportagem