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O pintor que cria suas obras dentro do oceano

Peter Matthews diz que sua inspiração foi uma experiência de quase morte que teve no México

O artista Peter Matthews passa horas, às vezes dias, produzindo arte no oceano
O artista Peter Matthews passa horas, às vezes dias, produzindo arte no oceano - BBC Brasil
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De "A Grande Onda", de Hokusai, a "Naufrágio de um Cargueiro", de Turner, muitos pintores se inspiraram em paisagens marítimas. Menos comum, porém, é o método usado pelo artista Peter Matthews: ele efetivamente deixa o oceano fazer o trabalho para ele.

Ao lado de materiais convencionais como tinta, lápis e carvão, ele também usa "terra", "água do Atlântico" e "ferrugem". Matthews, cujo trabalho está estimado em milhares de libras na galeria Saatchi, em Londres, diz que sua inspiração foi uma experiência de quase morte que teve enquanto surfava sozinho no México, em 2007.

O mar ficou agitado, ele perdeu a corda de sua prancha e ficou "debatendo-se na água com uma sensação angustiante de medo, completamente à mercê do oceano". Embora ele tenha conseguido chegar de volta à praia em segurança, ele descreve seu "momento de epifania" ao perceber que ele poderia criar suas peças "dentro ou junto com o mar".

Ele então trocou a prancha de surfe por pranchetas e, da costa inglesa até as ondas do Havaí, começou a mergulhar no oceano por horas -às vezes dias- a cada vez. Ele guarda suas ferramentas de trabalho -alguns lápis de carvão e canetas de gel- em seu chapéu, e vagueia com um pedaço de papel preso a uma tábua de madeira, rabiscando enquanto balança nas ondas.

Ele frequentemente entra na água à primeira luz do dia e sai à noite, passando a noite em uma barraca na praia. E, enquanto ele dorme, a água continua trabalhando para ele –ele deixa seu desenho em uma piscina natural, que permanecerá encharcado na água do mar e mudará durante a noite.

Recentemente, ele passou semanas costurando peças de telas enquanto estava sentado sozinho em uma pedra em Cornwall, na Inglaterra. As pinturas que ele criou foram geradas em dois oceanos, o Atlântico e o Pacífico. Ele diz que cada pintura é composta de "duas partes diferentes do mundo e experiências oceânicas e experiências de estar na natureza, movendo-se de forma nômade, de um lugar para outro, em busca do sublime".

Matthews, que nasceu em Derby, passava dias andando pelos campos, ao longo das margens dos rios e explorando os bosques de Derbyshire. Ele geralmente estava sozinho em suas andanças na infância e ainda é atraído pela solidão, algo que ele chama de "misterioso e onipresente chamado do selvagem".

É tudo muito poético, mas com o que realmente parece o trabalho dele? É difícil de definir. Alguns são quase cartográficos, como um mapa manchado e desfocado do nada. Outros trazem uma série de palavras rabiscadas, talvez as divagações de Netuno, o deus do mar romano. Alagados, frágeis e arranhados, estranhamente irresistíveis. São o resultado de incontáveis horas de observação e deslocamento, traduzindo ou transcrevendo um monólogo aquoso.

Existem questões práticas a serem encaradas quando se trata desse peculiar regime de trabalho. Ocasionalmente, especialmente durante tempestades, pinturas e desenhos foram perdidos no oceano.
Há um lugar em Cornwall onde Matthews enterrou algumas pinturas, apenas para um deslizamento de lama cobrí-las. E nunca as encontrou.

Essas perdas, no entanto, não são os desastres que podem parecer. Para Matthews, "o trabalho ainda existe, ainda está em movimento, em processo". "Eu sinto um contato profundamente emocional com o universo quando vejo um desenho no papel cair lentamente para o fundo do oceano, como quando uma onda destruidora quebra... e tira o papel da placa de compensado e eu sou apenas uma testemunha das forças da natureza ".

A exposição prolongada aos elementos já o levou à hipotermia. Insolação, picadas de águas-vivas, rochas afiadas e corais estão entre seus outros desafios. Ele tem que lidar com "a imprevisibilidade do tempo" e ondas grandes. Ele já foi mordido por cobras, insetos e cães selvagens.

Até mesmo encontrar abrigo, comida e água fresca pode se tornar um desafio em lugares de difícil acesso, já que ele sai sozinho, carregando todo o seu equipamento. Apesar de trabalhar em todo o mundo, há um lugar particular e secreto em Cornwall com que Matthews sente uma ligação mais forte, onde voltou para trabalhar por cerca de uma década. "Tornou-se um lugar onde eu realmente posso sentir minhas raízes ancestrais", diz ele.


De tempos em tempos as pessoas que percorrem o caminho da costa sudoeste param e o observam trabalhar. "Eles estão, sem dúvida, pensando: 'o que estou fazendo?', enquanto subo e desço usando uma roupa de borracha velha, agarrado a um pedaço de compensado com um pedaço de papel pregado nele", diz.

Espectadores confusos não parecem se importar para Matthews. Como ele diz, é tudo sobre "encontrar uma posição no tempo, espaço e vida". "É esse caminho e comunhão, esse diálogo pessoal ao longo desse caminho para buscar e descobrir que estou em transe". "Talvez, isso pareça religioso em alguns aspectos, e, de muitas maneiras, é."

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