As pessoas que acreditam que plantas falam
A planta de Laura Beloff parecia estar estalando. Ela havia instalado um microfone de contato perto das raízes para detectar leves estalos em alta frequência no solo. Com o auxílio de software desenvolvido por Beloff no seu computador, a frequência dos estalos foi reduzida para que eles fossem audíveis para seres humanos.
Enquanto ela trabalhava, o aparelho ao seu lado tagarelava alegremente. "Foi muito estranho", conta Beloff, artista e professora da Universidade Aalto, na Finlândia. Um visitante entrou na sala e a planta parou de estalar. Quando o visitante saiu, os estalos recomeçaram. Mais tarde, outras pessoas chegaram e, novamente, os estalos pararam —e somente recomeçaram quando as pessoas saíram.
"Ainda não sei o que pensar sobre isso", afirma ela. Foi como se a planta quisesse uma audiência privada com Beloff —e estivesse falando com ela.
Entre idas e vindas, as tentativas de Beloff de detectar estalos gerados por plantas duraram ao todo mais de dois anos. Até hoje, ela não tem certeza do que estava acontecendo.
O seu equipamento era um microfone simples e barato que ela reconhece que poderia estar captando o ruído de micro-organismos do solo ou de outras fontes —não necessariamente da planta. E deduzir que a planta estava se comunicando, ou que ela reagiu às pessoas que entravam na sala, ainda é pura especulação.
Mas essa possibilidade, por menor que fosse, intrigou Beloff. "Isso realmente está acontecendo? Eis a questão", afirma ela.
Existem muitas coisas sobre as plantas e a vida delas que não conhecemos. Existe atualmente um debate entre as pessoas que estudam plantas sobre até que ponto flores e arbustos, ou outros organismos vivos, podem comunicar-se entre si. E, se puderem, será que isso os torna inteligentes?
Pesquisas científicas estão constantemente gerando novas descobertas sobre a complexidade das plantas e suas incríveis capacidades. É possível que as plantas sejam mais complexas do que alguns de nós pensamos. E a ideia que elas podem "falar" com seres humanos é controversa.
Mas isso não impede algumas pessoas de tentar conversar com elas. São os "encantadores de plantas". Beloff teve a ideia de ouvir as raízes de suas plantas depois de ler sobre os experimentos de Monica Gagliano e outros pesquisadores.
Ao longo da última década, Gagliano, na Universidade do Oeste da Austrália, publicou uma série de estudos que indicam que as plantas têm capacidade de comunicação, aprendizado e memória.
Ela argumenta há muito tempo que os cientistas deveriam prestar mais atenção ao fato de que as plantas podem coletar e transmitir informações de forma acústica. Em um estudo de 2017, Gagliano e seus colegas demonstraram que as plantas parecem ser capazes de sentir o som da vibração da água por meio das suas raízes, o que pode ajudá-las a localizar água subterrânea.
Gagliano acredita que as plantas podem comunicar-se. Para ela, "as evidências são claras". Em um estudo muito comentado publicado em 2012, ela e seus colegas relataram ter detectado ruídos de estalos vindo das raízes de plantas.
Os pesquisadores usaram um sensor a laser para detectar esses sons na ponta das raízes. Gagliano afirma que o laser foi treinado nas raízes submersas na água em ambiente de laboratório, para ajudar a garantir que os sons detectados fossem realmente emitidos pelas próprias raízes.
Mas afirmar que esses estalos têm função comunicativa exige mais evidências. Gagliano afirma ter observado raízes de plantas reagindo a sons em frequências similares alterando sua direção de crescimento. Persistem incertezas sobre o que isso realmente significa.
Gagliano também surpreendeu ao afirmar que, em ambientes não experimentais, ela ouviu plantas falando com ela usando palavras. Ela afirma que essa experiência ocorreu "fora do campo estritamente científico" e que um terceiro observador não seria capaz de medir os sons que ela ouviu com instrumentos de laboratório.
Mas ela está certa de que percebeu plantas falando com ela em diversas ocasiões. "Estive em situações em que não apenas eu, mas várias outras pessoas no mesmo ambiente ouviram a mesma coisa", conta ela.
Independentemente da sua opinião sobre as afirmações de Gagliano, pesquisas recentes de diversas equipes científicas revelaram uma série de indicações fascinantes sobre as plantas e os sons. Uma delas é o estudo de um grupo de pesquisadores em Israel, que concluiu, em 2019, que as plantas aumentam a quantidade de açúcar no seu néctar quando expostas ao som de abelha zumbindo.
Esta pode ser uma forma de recompensar os insetos, como as abelhas, que polinizam as plantas quando retiram o néctar. Outros insetos apenas coletam o néctar sem retirar nem espalhar pólen, o que não beneficia a planta. Foi apenas quando os pesquisadores expuseram as plantas em estudo ao som das abelhas ou ruídos com a mesma frequência que o teor de açúcar aumentou.
Outros estudos sugerem toda uma série de formas em que o som poderá ser importante para as plantas. Plantas expostas ao som de mastigação de lagartas, por exemplo, aumentam a produção de substâncias que são usadas para impedir a alimentação dos insetos quando atacadas por lagartas reais e famintas.
Estudos como esse fizeram com que as pessoas imaginassem se poderiam influenciar as plantas usando sons específicos. Uma organização chinesa —o Centro de Pesquisas em Engenharia Agricultura Física de Qingdao— projetou um dispositivo especial para transmitir sons para as plantas. Seus criadores afirmam que ele aumenta a produção das plantas, reduzindo a necessidade de fertilizantes.
Os sons podem também permitir relações de benefício mútuo entre as plantas e outros seres vivos. Na ilha de Bornéu, na Ásia, a parede interna traseira dos jarros da planta carnívora Nepenthes hemsleyana evoluiu para refletir o ultrassom dos morcegos. Isso atrai os morcegos para os jarros das plantas, onde eles pousam e fertilizam a planta com suas fezes.
Um estudo de 2016 sobre o relacionamento acústico entre as plantas e os morcegos observou que uma espécie vegetal relacionada, que não dependia dos morcegos para fertilização, não tinha a mesma superfície refletora conhecida por atrair os mamíferos voadores.
Todos esses trabalhos ajudam a comprovar que o som é importante para as plantas. Mas os mecanismos específicos usados pelas plantas para perceber ou sentir os sons permanecem desconhecidos.
Uma coisa é afirmar que as plantas possuem reações automáticas ou geneticamente programadas aos estímulos acústicos, mas outra coisa é sugerir que elas podem ouvir e contemplar sons antes de tomar uma decisão sobre como reagir. A maioria das pessoas argumentaria que esse tipo de inteligência é privilégio, em grande parte, das espécies animais.
Um desses céticos é David Robinson, da Universidade de Heidelberg, na Alemanha. Ele e outros pesquisadores são grandes críticos das afirmações de que as plantas são inteligentes ou que podem comunicar-se da mesma forma que nós. Para ele, as reações das plantas a estímulos acústicos são interessantes, mas também rígidas e pré-determinadas: "elas não têm nenhuma relação com processos de pensamento", segundo Robinson.
As plantas não têm neurônios —as células que transmitem informações por meio de sinais elétricos nos cérebros dos animais. Por isso, Robinson argumenta que as plantas não têm o mecanismo necessário para o pensamento. Mas pode-se afirmar que as informações movem-se no interior das plantas, por meio de sinalização química.
A ideia de que as plantas podem aprender também é questionada. Um pesquisador tentou reproduzir os resultados de um estudo sobre o aprendizado das plantas conduzido por Gagliano e seus colegas, mas não conseguiu chegar ao mesmo resultado. Gagliano e sua equipe publicaram uma resposta, afirmando que a metodologia do experimento de repetição era muito diferente e não poderia produzir uma avaliação confiável dos seus resultados anteriores.
Robinson afirma que não descarta a possibilidade de que as plantas ainda possam surpreender-nos, mas insiste que não deveríamos tentar comparar suas capacidades de comunicação com a nossa —nem tentar conversar com elas. "O que eu acho que muitas pessoas estão tentando fazer é humanizar as plantas para que elas se pareçam mais conosco", afirma ele.
Robinson também não minimiza a dimensão das divergências entre os pesquisadores que argumentam que as plantas possuem capacidade cognitiva e os que discordam. "Existem dois campos que estão em guerra", afirma ele, acrescentando em seguida: "em guerra verbal, quero dizer".
Isso também não deve servir de indicação que existe uma divisão definida entre duas facções. As ideias dos pesquisadores sobre as capacidades das plantas diferem em várias formas e muitos cientistas, além de Robinson, permanecem céticos sobre a inteligência das plantas —que é um pré-requisito para a comunicação na forma humana, como é de se imaginar.
Mas Tony Trewavas, professor emérito da Universidade de Edimburgo, no Reino Unido, tem uma opinião diferente. Ele afirma que, considerando uma definição mais ampla, as plantas podem ser consideradas inteligentes porque elas reagem claramente a estímulos, de forma a aumentar sua probabilidade de sobrevivência.
Trewavas compara as plantas com uma zebra que corre para fugir de um leão. Temos pouca dificuldade para considerar essa reação como inteligente, mas uma planta que elimina sua própria folha para impedir a eclosão de um ovo de lagarta pode ser observada de forma um pouco diferente.
Trewavas também indica o fato de que as árvores dependem de redes de micróbios no solo para ajudá-las a localizar nutrientes. Esta é uma forma de comunicação entre espécies.
"Todas as formas de vida são inteligentes porque, se não fossem, simplesmente não existiriam", segundo Trewavas. Esta afirmação com certeza é instigante. A sobrevivência, por definição, seria uma prova de inteligência? De qualquer forma, a questão de como alguém pode falar com as plantas ou decodificar a expressão dos vegetais segue sem respostas.
Embora as plantas possam claramente reagir a estímulos acústicos de certos tipos e comunicar-se pelo menos quimicamente com diversas formas de vida, muitos argumentam que não é o mesmo que conversar —e nem mesmo relembra as vocalizações sociais ocasionais que ocorrem em muitas espécies animais não humanas.
Laura Beloff afirma que, embora seja fascinada por essa possibilidade, permanece cética sobre a ideia de que as plantas podem falar. "É claro que existem pessoas que afirmam que conseguem comunicar-se com as plantas", afirma ela. "[Mas] vejo que, talvez do ponto de vista mais racional ou científico, isso é muito difícil."
E existe outra questão: o que diríamos, na verdade, se pudéssemos conversar com uma conífera, ou discutir com uma dália? "Talvez as plantas também queiram comunicar-se conosco", imagina Beloff. "Quem sabe?"
Leia a íntegra desta reportagem (em inglês) no site BBC Future.
Comentários
Ver todos os comentários