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Minha solidão ajudou a unir 10 mil estranhos

'Naquele momento, percebi quão sozinho eu estava'
'Naquele momento, percebi quão sozinho eu estava' - BBC News Brasil/Kelly Jensen
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"Estou desesperado para fazer novos amigos. Me sinto sozinho e estou passando pelo período mais difícil da minha vida. Vou sentar na escada em frente à prefeitura das 14h às 20h."

Em 2016, esta mensagem apareceu em um fórum de discussão online de Copenhague, na Dinamarca. Patrick Cakirli, o autor da publicação, tinha 24 anos na época. E não poderia prever o que aconteceria a seguir.

Em entrevista ao programa de rádio Outlook, da BBC, Patrick conta como seu apelo acabou ajudando mais de 10 mil pessoas a vencer a solidão. Em 7 de dezembro de 2016, quando publicou a mensagem acima em um fórum de discussão anônimo na internet, o jovem dinamarquês estava passando por uma séria crise de depressão.

"Tive uma infância muito difícil. Morei em três orfanatos e com uma família adotiva. Então, eu meio que tenho dificuldade de confiar nas pessoas; e minha namorada, com quem eu estava junto desde 2010, tinha me deixado meses antes. Aquilo me magoou muito", explica.

Ele conta que chegou a ter pensamentos suicidas e, logo depois do término do namoro, chegou a ficar internado por uma semana em um hospital psiquiátrico. "Naquele momento, percebi quão sozinho eu estava."

Patrick (à direita) com as pessoas que atenderam seu apelo e foram encontrá-lo
Patrick (à direita) com as pessoas que atenderam seu apelo e foram encontrá-lo - BBC News Brasil/Arquivo Pessoal

Os 21 "amigos" que tinha na Facebook na época não eram próximos. "Quando ela me deixou, eu meio que perdi as esperanças. Tive amizades no passado, mas eu meio que abandonei por conta da minha dedicação ao relacionamento. É aquilo, tudo que vai, volta."

E pedir ajuda à família tampouco parecia uma opção: "Eu meio que me senti traído desde muito jovem, então eu realmente não queria entrar em contato com meus pais."

Ele conta que tinha acabado de ter uma crise de pânico quando publicou a mensagem no fórum. "Por isso sentei em um trem aproximadamente às 13h e escrevi a mensagem." "Foi muito espontâneo. Quando acordei naquela manhã, não sabia que ia fazer aquilo", diz.

Ele tampouco poderia prever a reação das pessoas: "Eu postei a mensagem e logo depois vi que havia muitas respostas, mas também muitas reações negativas, porque muita gente pensou que eu não iria aparecer, que era uma pegadinha. Então eu tirei uma foto minha e disse: Meu nome é Patrick."

Era um dia muito frio e chuvoso. Ele lembra que chegou uma hora antes na prefeitura –e ficou caminhando de um lado para o outro em frente ao prédio. "Eu estava muito nervoso." "Depois de mandar a mensagem, fiquei em um estado estranho. Não sabia o que fazer. Eu meio que tive vontade de fugir, mas ao mesmo tempo sabia que precisava fazer aquilo."

Ele esperou por cerca de uma hora até aparecer a primeira pessoa: "A primeira pessoa chegou com amêndoas e um cobertor, me disse que ia ficar tudo bem, que eu não precisava me preocupar." "'Não está muito frio?', ele perguntou.

E sugeriu que a gente fosse para o Burger King mais próximo. Então publicamos uma foto nossa no fórum e avisamos que estaríamos lá." Para surpresa de Patrick, 13 pessoas apareceram no Burger King –e outras oito chegariam para encontrá-lo no decorrer da noite.

"Muitas dessas pessoas decidiram aparecer porque se identificavam de alguma forma com o que eu havia escrito no post. E também porque queriam me apoiar. Foi muito generoso da parte delas ceder esse tempo para alguém que sequer conheciam."

"Fiquei transbordando de felicidade, mas também não sabia como reagir. Porque era uma experiência estranha. Havia tanta gente ao meu redor de repente, tantas pessoas queriam falar comigo", relembra.

Eles conversaram sobre vários assuntos –trabalho, estudo, solidão, ansiedade, depressão... E Patrick afirma que fez novos amigos naquele dia. "Depois de algumas horas, todos nós meio que sentimos que nos conhecíamos há anos. Foi incrível."

Mas não parou por aí. Quando chegou em casa, ele se deparou com nada menos do que 1400 comentários à sua publicação no fórum. "(Muita gente comentou sobre) como era incrível eu ter mostrado minha vulnerabilidade, e quão incrível era as pessoas terem aparecido para me apoiar", diz. "Havia ainda várias pessoas que escreveram que era disso que estavam precisando, que também se sentiam solitárias."

Inspirado pelos comentários, ele decidiu atender aos pedidos de entrevista da imprensa dinamarquesa, que o havia procurado diante da repercussão do post. "A princípio, eu queria permanecer anônimo. Tinha medo do estigma. Não queria que todo mundo na Dinamarca soubesse que eu era sozinho", revela. "Mas, quando cheguei em casa, quando li todas essas mensagens, senti uma certa responsabilidade e sabia que precisava fazer algo."

Foi quando decidiu criar um grupo no Facebook para reunir outras pessoas que, assim como ele, conviviam com a solidão. Um ano depois, o grupo tinha mais de 10 mil membros. "As pessoas desabafam, contam suas histórias, falam como a solidão as afeta. E também podem se encontrar e fazer amigos", explica.

Desde que criou o grupo, Patrick ajudou a promover centenas de encontros presenciais entre os integrantes. E chegou a abandonar os estudos para se dedicar ao mesmo de corpo e alma. Meses depois, fez uma caminhada pela conscientização da solidão na Dinamarca. "Caminhei de Copenhague até Aarhus, que é basicamente do outro lado do país."

Mas havia uma regra: ele só poderia andar se estivesse acompanhado de outra pessoa. Quase 70 pessoas se juntaram a ele em algum momento do trajeto. E ele viria a repetir o feito, atraindo ainda mais seguidores, nos anos seguintes.

"Definitivamente, estou em um momento muito melhor. Conheci muitas pessoas incríveis. O fato de me abrir em relação à solidão e mostrar minha vulnerabilidade abriu muitas portas para mim também", avalia.E que conselho Patrick daria a alguém que está se sentindo sozinho?

"O melhor conselho que eu poderia dar é: você precisa estender a mão e pedir ajuda. A solidão momentânea não é tão perigosa, mas a solidão de longo prazo pode ser muito perigosa. Então, sim, você tem que procurar quem quer que seja, familiares, amigos ou vizinhos."

Ouça aqui (em inglês) a íntegra do programa de rádio Outlook

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