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Astronauta Scott Kelly: 'Passei um ano no espaço, e tenho algumas dicas sobre isolamento'

Ele compartilha informações para lidar melhor com o confinamento

Scott Kelly dentro de um simulador no Centro de Treinamento de Cosmonautas Gagarin em Star City, Rússia, em preparação para viajar para a Estação Espacial Internacional - Bill Ingalls/NASA
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Scott Kelly

Ficar preso em casa pode ser um desafio. Quando vivi na Estação Espacial Internacional por um ano, não foi fácil. Quando eu ia dormir, estava no trabalho. Quando acordava, continuava no trabalho. Voar no espaço provavelmente é o único emprego do qual você não pode se demitir.

Mas aprendi algumas coisas durante o período que passei lá em cima, e gostaria de compartilhá-las – porque estamos em um momento em que essa informação pode ser útil, agora que todos devemos nos confinar em casa a fim de ajudar a deter a difusão do coronavírus. Abaixo, algumas dicas sobre como viver em isolamento, vindas de alguém que passou por isso.

Siga um cronograma

Na estação espacial, eu tinha horários rigorosos, desde o momento de acordar até voltar a dormir. Às vezes, a agenda envolvia saídas ao espaço que podiam durar até oito horas; em outros momentos, era uma tarefa de cinco minutos, como verificar as flores experimentais que eu estava cultivando no espaço. Você descobrirá que manter um plano vai ajudá-lo a se ajustar a um ambiente de trabalho e uma vida caseira diferentes, e o mesmo vale para sua família. Quando voltei para a Terra, senti falta da estrutura que esses horários rigorosos ofereciam, e encontrei dificuldade para viver sem isso.

Não force o ritmo

Quando você está vivendo e trabalhando no mesmo lugar por dias a fio, existe a possibilidade de que o trabalho tome todo o espaço, se você assim permitir. No período em que vivi na estação espacial, eu deliberadamente procurei manter um ritmo pausado, porque sabia que passaria muito tempo lá – exatamente a situação em que estamos hoje. Reserve tempo para atividades divertidas: eu me juntava aos colegas de tripulação para noitadas de cinema, acompanhadas por petiscos, e assisti a todos os episódios de “Game of Thrones” – duas vezes.

E não se esqueça de incluir em sua agenda um horário regular para dormir. Os cientistas da Administração Nacional da Aeronáutica e Espaço (Nasa) estudam de perto o sono dos astronautas, quando eles estão no espaço, e descobriram que a quantidade de sono tem relação com a cognição, humor e o relacionamento interpessoal –coisas essenciais para chegar bem ao final de uma missão espacial ou de um período de quarentena em casa.

Faça exercícios

Umas das coisas de que eu sentia mais falta em meu período no espaço era poder sair e conviver com a natureza. Depois de ficar confinado em um espaço pequeno por meses, eu sentia desejos de natureza – o verde, o cheiro da terra fresca, a sensação do sol quente em meu rosto. Aquele experimento de cultivo de flores se tornou mais importante para mim do que eu poderia ter imaginado. Meus colegas gostavam de tocar uma gravação de sons da Terra, com pássaros e árvores farfalhando, e até mesmo mosquitos, repetidamente. Isso me dava a sensação de estar de volta à Terra. (Ainda que eu ocasionalmente me apanhasse tentando espantar os mosquitos.)

Para um astronauta, sair é uma empreitada perigosa, que requer dias de preparativos, e por isso aprecio que, apesar de nossa situação atual desconfortável, possamos sair de casa a qualquer momento para uma caminhada – e sem precisar de traje espacial. Pesquisas demonstram que passar algum tempo na natureza é benéfico para nossa saúde física e mental – e o mesmo se aplica a exercícios. Você não precisa se exercitar por 2,5 horas a cada dia, como fazem os astronautas na estação espacial, mas se movimentar uma vez por dia deveria ser parte da agenda de sua quarentena (lembre-se apenas de ficar a pelo menos dois metros de distância das demais pessoas).

Você precisa de um hobby

Quando fica confinado em um espaço pequeno, você precisa de uma distração que não seja o trabalho ou cuidar da manutenção do espaço em que vive.

Algumas pessoas se surpreenderam ao descobrir que levei livros comigo para o espaço. O silêncio e a absorção que é possível encontrar em um livro físico –que não tilinte com novas notificações ou tente convencê-lo a abrir uma nova aba– é inestimável. Muitas pequenas livrarias estão oferecendo serviços de entrega domiciliar, ou separam livros para que os compradores os apanhem sem entrar na loja, o que significa que você pode apoiar o comércio local e ao mesmo tempo cultivar o tempo desconectado, que é muito necessário.

Você também pode praticar com um instrumento musical (acabo de comprar um simulador digital de guitarra, online), tentar artesanato ou fazer arte de alguma espécie. Os astronautas reservam tempo para todas essas coisas, no espaço. (Você se lembra do astronauta canadense Chris Hadfield e sua famosa cover de “Space Oddity”, de David Bowie?)

Mantenha um diário

A Nasa vem estudando os efeitos do isolamento sobre os seres humanos há décadas, e uma constatação surpreendente que seus pesquisadores fizeram foi a do valor de manter um diário. Ao longo de minha missão de um ano de duração, reservei tempo para escrever sobre minhas experiências quase todos os dias. Se você se apanhar simplesmente registrando os acontecimentos do dia (que, nas atuais circunstâncias, tenderão a ser repetitivos), tente em lugar disso descrever o que está sentindo com cada um de seus cinco sentidos, ou escreva sobre recordações. Mesmo que você não termine escrevendo um livro baseado em seu diário, como eu fiz, escrever sobre os seus dias o ajudará a colocar suas experiências em perspectiva e permitirá contemplar, mais tarde, o que significou esse período único na história.

Reserve tempo para se conectar

Mesmo com todas as responsabilidades de servir como comandante da estação espacial, jamais perdi oportunidades de conversar em vídeo com minha família e amigos. Cientistas constataram que o isolamento é prejudicial não só à nossa saúde mental mas também para a saúde física, especialmente o sistema imunológico. A tecnologia torna mais fácil do que nunca manter contato, e por isso vale a pena reservar tempo para se conectar com as pessoas queridas a cada dia – e isso pode até ajudar no combate aos vírus.

Ouça os especialistas

Descobri que a maioria dos problemas da vida não requer ciência avançada, mas quando eles requerem ciência avançada, você deve consultar um cientista. Viver no espaço me ensinou muito sobre a importância de confiar nos conselhos de pessoas que sabiam mais do que eu sobre seus assuntos, quer se tratasse de ciência, engenharia, medicina ou o projeto da estação espacial incrivelmente complexa que me mantinha vivo.

Especialmente em um momento desafiador como o que estamos vivendo agora, temos de buscar conhecimento junto àqueles que mais sabem sobre o assunto, e prestar a tenção ao que nos dizem. A mídia social e outras fontes cujas informações não passam pela devida filtragem podem ser transmissoras de desinformações, da mesma forma que um aperto de mão pode transmitir o vírus, e por isso temos de fazer questão de buscar fatos em fontes respeitadas, como a Organização Mundial da Saúde (OMS) e o Centro de Recursos sobre o Coronavírus do Hospital Johns Hopkins.

Estamos todos conectados

Vista do espaço, a Terra não tem fronteiras. A difusão do coronavírus está nos mostrando que aquilo de que compartilhamos é muito mais poderoso do que aquilo que nos separa, tanto para o bem, quanto para o mal. Todas as pessoas estão inescapavelmente interconectadas, e quanto mais pudermos nos unir para resolver nossos problemas, melhor nos sairemos.

Um dos efeitos colaterais de ver a Terra da perspectiva que o espaço oferece, pelo menos para mim, foi o de sentir mais compaixão pelos outros. Por mais impotentes que possamos nos sentir, confinados em nossas casas, há sempre coisas que podemos fazer –vi pessoas lendo para crianças, por meio de sistemas de videoconferência, pessoas que doaram tempo e dinheiro para organizações assistenciais, online, e pessoas que se encarregam de tarefas cotidianas para seus vizinhos idosos ou que têm sistemas imunológicos comprometidos. Os benefícios para os voluntários são tão grandes quanto para as pessoas às quais eles ajudam.

Vi seres humanos trabalhando juntos para superar alguns dos mais difíceis desafios que se possa imaginar, e sabemos que temos a capacidade de superar o desafio atual, se cada um fizer sua parte e trabalharmos juntos como equipe.

Oh, e lave as mãos – frequentemente.

The New York Times

Tradução de Paulo Migliacci.

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