Viva Bem

Ser homem baixo atrapalha até o meu salário, mas encontrei alegria em ser quem sou

O canadense Allan Mott diz que descobriu a alegria em ser um homem baixo
O canadense Allan Mott diz que descobriu a alegria em ser um homem baixo - BBC News/Allan Mott
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Descrição de chapéu BBC News Brasil

Para homens, ser alto é considerado desejável. Mas Allan Mott, que é cerca de 18 cm mais baixo que a média do homem canadense, conseguiu realmente fazer as pazes com a sua altura –ou com a falta dela.

Você já experimentou ser universalmente adorado pelos membros do sexo oposto? Aconteceu comigo no playground da escola. Assim que eu aparecia, as meninas mais velhas davam gritinhos de satisfação e me perseguiam até eu não aguentar mais correr.

Quando elas me alcançavam, eu ganhava um abraço forte e um beijo na bochecha antes de ser libertado ou perseguido por outra fã. Eu tinha cinco anos e era adorável –a menor criança na escola infantil Mee-Yah-No, em Alberta, no Canadá.

Eu parecia mais um boneco do que um aluno da creche. Mesmo naquela idade, eu entendia que ser pequeno levava as pessoas a me tratarem de maneira diferente. O que eu não sabia é que em apenas um ano aquele tratamento desapareceria rapidamente, dando lugar a um outro, bem menos desejável.

Desta criança adorada, eu passei a ser apenas o menor menino da sala. Eu era extrovertido até ali mas, em razão do bullying no pátio do colégio, comecei a passar o recreio ajudando a bibliotecária a guardar os livros. E, no fim, minha fase mais popular da vida escolar foi o meu primeiro ano, o que não era o ideal. Eu ainda tinha o resto da minha vida inteira para viver.

A verdade é que, geneticamente, eu nunca tive chance. Minha mãe tem 1,51 m e meu pai, 1,52 m. Crescendo, nosso pediatra previa que eu chegaria a 1,62 m, até 1,72 m se eu tivesse sorte, o que não seria tão distante da altura média do homem do Canadá.

Mas o fato é que o médico estava absolutamente errado. Eu parei de crescer logo após meu aniversário de 13 anos. O mais alto que eu cheguei em toda a minha vida foi 1,57 cm. Nos anos que se passaram desde então, eu concluí duas coisas importantes sobre ser um homem baixinho na sociedade ocidental: 1. É horrível. 2. Ninguém quer te ouvir reclamar sobre isso.

Eu tendo a não falar sobre isso. As pessoas sempre me dizem "Ah, por favor. Ninguém te trata diferente porque você é baixo"! (Todo mundo que já me disse isso tinha, pelo menos, 1,80 m). Mas eu sei a realidade do que significa ser um homem baixo na nossa sociedade. Existe tanta discriminação sobre tamanho como há sobre gênero, raça, religião, etc.

SALÁRIO BAIXO

Uma vez eu olhei a lista dos presidentes da lista das 500 empresas da Forbes. A maioria é homem –só pouquíssimas mulheres– e a média de altura deles é 1,82. E se essa é a média, significa que muitos são ainda mais altos.

Não é um segredo que as mulheres ganham menos que os homens fazendo os mesmos trabalhos. O que as pessoas também deveriam saber, no entanto, é que a altura é um fator determinante para as diferenças salariais.

No livro de Malcolm Gladwell, Blink, estima-se que cada polegada na altura vale US$ 789 a mais no salário. O que significa que um homem com 1,82 m pode ganhar US$ 7.800 por ano a mais que eu pelo mesmo trabalho. Em uma carreira de 40 anos, isso pode chegar a US$ 315,6 mil a mais.

Os homens baixos são ensinados pela sociedade a aceitar o que é dado a eles. Quando eu chego a um emprego novo e eles me oferecem um salário em particular, meu instinto é dizer: "Isso é menos do que eu esperava. Fazer o quê, acho que vou aceitar". Talvez um cara mais alto sinta que mereça mais, e diga: "Não, eu mereço 10 mil a mais do que isso".

Você já entrou em uma sala e se sentiu avaliado e dispensado em segundos? Homens baixos conhecem bem esse sentimento. É quando os termos como "Pequeno Napoleão" aparecem, e o desejo de ser bem-sucedido é subestimado como "síndrome de homem baixinho". Se um cara alto se defende, é descrito como autoconfiante. Mas um homem da minha altura tentando ser ouvido é considerado inseguro e carente.

Em um emprego que eu tinha no marketing, isso acontecia em reuniões. Eu fazia uma sugestão, que era ignorada, e minutos depois alguém dava a mesma sugestão. As pessoas diziam "ah, boa ideia!", para a segunda pessoa.

Eu me encontrava tendo que brigar para ser ouvido, mas daí era considerado insistente e arrogante. Não importa o quão relevantes meus comentários fossem, eles eram ignorados porque já se havia decidido que eu não tinha como contribuir.

Eu vi muitas colegas mulheres passar pela mesma coisa. Enquanto elas acham que a discriminação que passam é apenas machismo, eu sempre penso se não tem a ver também com o tamanho. Às vezes eu me pergunto se estou sendo inseguro. "Talvez essas pessoas tratem todo mundo assim?".

Mas houve uma reunião em que isso ficou evidente. Era uma sessão de brainstorm e estávamos tratando de um projeto com uma linha de pensamento. E eu sugeri,"porque não abordamos isso pelo lado oposto"? O diretor criativo respondeu, rispidamente, me mandando ficar quieto.

Isso causou um enorme silêncio na sala, e ele notou que foi inapropriado. Eu admiro muito uma colega que me defendeu. "É realmente difícil continuar essa reunião quando você basicamente mandou o Allan calar a boca", ela disse, firme.

Ter o reconhecimento de outra pessoa ajudou a confirmar minhas suspeitas de que ele me tratava mal sem nenhuma boa razão. E quando o assunto é namoro?

A realidade é que, como um homem baixo, você pode esperar que 8 a cada 10 mulheres vão te dispensar à primeira vista como potencial parceiro sexual. E as chances são de que as 2 que sobrarem vão te dar apenas alguns minutos de conversa antes de começarem a inventar desculpas.

Quando eu digo para minhas amigas que as mulheres não gostam de namorar homens baixos, elas sempre dizem a mesma coisa: "Não é verdade. Aposto que tem várias mulheres que adoram homens baixos. "

"Você já namorou algum"?, eu pergunto. "Bem, não...", elas dizem. "E namoraria?" O que se segue é um silêncio constrangedor.

De acordo com o Freakonomics, bestseller do Steven Levitt e Stephen Dubner, homens baixos têm menor probabilidade de receber respostas em sites de namoro em comparação a qualquer outro grupo demográfico.

O fato de que a minha média de encontros online no meu perfil é de um por ano quebra as barreiras graças à força da minha ótima personalidade. E, claro, tem as exceções que todo mundo gosta de citar. "As mulheres amavam o Prince e ele era baixinho"!

Ótimo, então eu só tenho que passar a vida usando saltos altíssimos stiletto, ser um gênio musical e ser o maior artista da geração dele. Eu ouço falar de homens que são mais baixos e que se sentem muito desconfortáveis perto de mulheres altas. Eu acho que mulheres altas têm uma experiência parecida.

Eu tenho amigas altas que dizem que os caras com quem elas estão saindo que nunca lhes deixam usar salto alto", e que "o parceiro ficava com vergonha das pessoas nos olhando" Não eu. Se minha alma gêmea tivesse 1,80 m, não ia me incomodar nem um pouco.

A maioria das pessoas sem notar associa altura à força, inteligência e dominância. E por consequência, assume que pessoas mais altas são melhores líderes que seus pares baixos. Eu admito que às vezes eu acho que faço a vida de homem baixo parecer pior do que é. Minha vida seria mais fácil se eu fosse alto na escola no ensino médio? Provavelmente. Mas não é que a minha vida tenha sido de dor e de misérias infinitas.

Eu sou quem eu sou por causa da minha altura. E me deu a disposição para correr riscos que eu chamo de "síndrome de paraquedas". Em uma situação assustadora - por mais que eu esteja assustado, como todo mundo, minha reação frequente é: "Bem, eu estou na porta deste avião, posso pular. O que pior pode acontecer?"

Uma vez quando eu estava começando em um trabalho, a empresa fez uma reunião com toda a equipe no Edmonton's Northlands Coliseum, uma arena gigante de esportes e shows. Era uma tradição que todo novo empregado passasse por uma iniciação quando entrava na companhia. O Bruno Mars, 7 cm mais alto que eu, ia tocar lá, então nos pediam para cantar uma das músicas dele. No palco, todo mundo falava "Nós não vamos fazer isso", e todos olhavam para baixo.

Eu nunca ouvi uma música do Bruno Mars na minha vida, então eu pesquisei algumas letras no Google e peguei o microfone. Eu não sabia o tom, mas cantei o refrão de Locked Out of Heaven para todas aquelas pessoas com quem eu ia trabalhar.

Como estava disposto a fazer isso na frente de todo mundo, o presidente da empresa imediatamente me conheceu pelo primeiro nome. E eu tive a confiança para fazer isso porque eu tenho essa determinação de transcender a expectativa das pessoas em relação a mim. Eles podem esperar que eu fique quieto e me esconda, mas eu vou pular do avião. Espero que meu paraquedas funcione.

Pode ser também porque seja baixo que agora eu sou um escritor. Já mencionei que caras baixos não são levados a sério quando falam, então escrever é uma chance real de me expressar e ser ouvido. É meu real talento. Eu comecei escrevendo histórias de outras pessoas, e embora meus livros nunca tenham se tornado bestsellers nacionais, eu sempre encontro pessoas que cresceram os lendo e isso me dá um sentimento especial.

Ficando mais velho, acho que estou ficando mais bonito. Anos atrás, eu tive uma revelação. Eu sempre achei que eu era engraçado me depreciando, mas, uma vez conheci um cara em uma festa que me disse: "Eu vou te dar um soco se você fizer outro comentário negativo sobre você".

Então eu decidi que vou fazer piadas sobre quão maravilhoso e lindo eu sou. O que eu descobri é que as pessoas gostam quando riem comigo sobe algo bom e positivo. A sociedade não me acha um ideal de beleza, mas eu vou continuar afirmando que eu sou maravilhoso de alguma maneira.

Toda selfie que eu coloco no Instagram tem uma legenda como: "Outro dia sendo lindo!", ou "Como você aguenta tanta beleza"? Não faço mais piadas depreciativas. Quando eu olho as minhas conquistas na vida, tenho que admitir que poderiam não ter acontecido se eu fosse só um cara mediano, e não um baixinho maravilhoso.

BBC News Brasil

Additional interviews by Elaine Chong.

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