Viva Bem

Idosos vivem como atletas ao praticar pole dance, boxe e meia-maratona

Os médicos afirmam que praticar exercícios previne doenças graves

Vera Marques, 64, professora de pole dance desde 2010
Vera Marques, 64, professora de pole dance desde 2010 - Rubens Cavallari-30.jul.2018/Folhapress
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Beatriz Fialho
São Paulo

Muito velhos para ser atletas? Eles discordam. Vera Marques, 64, é professora de pole dance e sócia de um estúdio de dança em Pinheiros (zona oeste). Para ela, a ideia de que idosos precisam descansar está ultrapassada. "Quem tem essa mentalidade não sabe da importância da atividade física. Mas uma mudança está acontecendo."

Segundo a OMS (Organização Mundial da Saúde), em países em desenvolvimento, como o Brasil, pessoas acima de 60 anos já são consideradas idosas. Mas entrar nessa categoria não implica, necessariamente, viver uma rotina sedentária. Pelo contrário: a OMS considera o envelhecimento ativo o melhor modo de vida para os sexagenários.

Sebastião Naves de Souza, 80, transformou a prática de atividade física em um estilo de vida. Quando jovem, ele percorria longos trajetos a pé e de ônibus, o que o estimulou a continuar na ativa depois da aposentadoria.

"Em 2016, pedi para o médico um atestado para fazer atividade física com mais intensidade e, desde então, não parei mais", conta ele, que pratica corrida e musculação três vezes por semana –até mesmo quando viaja para visitar os netos, no interior de São Paulo. Ele treina pelo Gympass, um programa que possibilita o acesso à academias de diferentes cidades. "Às vezes, eu alterno o dia [por conta da viagem], mas procuro treinar sempre para não perder o ritmo", afirma.

Um levantamento divulgado em 2016 pelo Ministério da Saúde mostrou que 63,5% dos idosos entre 60 e 69 anos estão acima do peso e que 57% são hipertensos —doenças que poderiam ser prevenidas com a prática regular de atividade física. O exercício também é indicado para o tratamento de casos de osteoporose e diabetes, outras enfermidades comuns entre os idosos.

Alexandre Busse, do núcleo de geriatria do Hospital Sírio Libanês, afirma que a prática de exercícios, muitas vezes, pode ser comparada a um remédio completo: "Quem faz atividade física acaba cuidando melhor da saúde e da alimentação, além de diminuir o tabagismo e o consumo de álcool”.

Quando foi diagnosticada com início de osteoporose, aos 50 anos, Vera Havir, hoje com 62 anos, começou a correr. Atualmente, ela participa de duas meias-maratonas (21 km) por ano, além de disputar provas mais curtas, de 5 km e 10 km, vez ou outra.

"Quando cruzo a linha de chegada é uma realização muito grande!", comenta ela, que já completou provas na Argentina, nos EUA e, a mais recente, na França. Em setembro, ela viajará para Puglia, no sul da Itália, para a sua primeira prova de ciclismo, que deve durar cinco dias. "É importante a gente manter a mente aberta e experimentar outras modalidades", analisa Vera.

FORÇA IMPORTA!

O educador físico Fellipe Franco, personal trainer e assessor de corrida, explica que, após os 50 anos, o corpo passa por um processo natural de perda de massa muscular e, por isso, é importante que a pessoa conte, no dia a dia, com uma variação de modalidades, incluindo sempre o treinamento de força.

“A musculação contribui para que a pessoa consiga fazer exercícios com mais segurança, pois aumenta a massa muscular e ajuda no fortalecimento. Também previne lesões e dá mais equilíbrio”, conclui o personal trainer.

Os especialistas alertam: é preciso muita atenção com os machucados, pois a recuperação dos idosos é mais lenta. Por essa razão, Vera Marques diz que evita algumas posições nas aulas de pole dance. "Preciso tomar muito cuidado porque sei que, se me lesionar nessa idade, pode ser um problema."

O boxeador Denivaldo Soares, 65, revela que só sente o cansaço de seus treinos no dia seguinte, o que é bastante comum em atividades de alta intensidade. Para ajudar na recuperação muscular, ele aposta em uma alimentação balanceada. "Como frutas no café da manhã, almoço muito bem e, à noite, fico só na salada e na fruta. Não como nada pesado para conseguir dormir bem", afirma ele.

Soares começou no esporte aos 24 anos e, ainda hoje, vive uma rotina agitada, com treinos diários e aulas em academia. Aos sábados, mantém um projeto social com crianças carentes no quintal de sua casa, na Vila Brasilândia (zona norte). Ele ensina a prática e os valores do boxe. "O objetivo é educar para a vida e orientar os alunos a não se envolverem em coisa errada."

ATIVIDADES FÍSICAS E SOCIAIS

O conceito de envelhecimento ativo, criado em 2002 em uma assembleia mundial da Organização das Nações Unidas, não diz respeito apenas à atividade física. Para a OMS, um idoso ativo deve participar também de atividades socioculturais em seu dia a dia.

De acordo com o médico Alexandre Busse, o esporte pode facilitar essa sociabilização. "Sair de casa, encontrar pessoas e fazer novos laços de amizade é essencial para manter também a saúde cerebral."

A corredora Vera Havir confirma que se sente mais disposta e animada desde que incluiu a corrida em sua rotina. "Os filhos crescem, casam-se, e a gente sente essa síndrome do ninho vazio. O esporte preencheu uma lacuna muito importante na minha vida e me deu foco", analisa ela.

A corrida, inclusive, virou tema de reuniões familiares. Aos finais de semana, ela corre com a filha e, constantemente, viaja para fazer provas com seus filhos e genros. "O esporte nos une de uma forma muito saudável.”

Segundo o personal trainer Fellipe Franco, idosos fisicamente ativos têm um melhor convívio social também por questões biológicas. "Pessoas que praticam atividades físicas produzem mais endorfina, hormônio que relaxa o organismo e causa sensação de prazer. Por isso, têm um humor melhor."

Para quem se mantém em movimento, isso também se torna uma ocupação mental. "A disposição aumenta muito, porque você está fazendo exercícios. Não dá tempo de atrofiar nem os nervos nem o cérebro”, diz Sebastião Naves.

Quando precisou se afastar do esporte para passar por uma cirurgia de varizes, Denivaldo Soares conta ter passado por maus momentos. “Fiquei doente e com depressão. Sonhava à noite que estava lutando e dava murros na parede”, lembra o boxeador.


BASTA COMEÇAR

Quem pensa em começar a praticar esportes, mas não sabe por onde, os especialistas aconselham a, antes de tudo, passar por uma avaliação médica. Também é importante, se possível, contar com o acompanhamento de nutricionista. E na hora de escolher a modalidade, opte por algo de que goste e com que se identifique. Aí, basta começar.

Sempre aos poucos, respeitando os limites do corpo. "O melhor é aumentar a intensidade progressivamente, conforme for evoluindo”, acrescenta o educador físico Fellipe Franco. De acordo com ele, mesmo uma pessoa que não tenha praticado esportes a vida toda pode conquistar resultados favoráveis com o treino adequado. A OMS indica ao menos 150 minutos semanais, que podem ser divididos em três treinos por semana.

O acompanhamento do exercício por um profissional também é essencial: professores de academia e personal trainers podem ajudar. Há, ainda, 47 centros esportivos municipais, espalhados pela capital paulista, que oferecem acompanhamento gratuito e disponibilizam aulas em grupo para idosos. Informações de locais e horários podem ser encontradas na Secretaria de Esportes e Lazer.

O geriatra Alexandre Busse destaca a importância de fazer aquecimento antes do treino e de se alongar no final. Isso pode gerar mais conforto para quem ainda não está acostumado a suar a camisa. É importante também criar uma rotina e escolher um horário do dia para se exercitar, o que faz o corpo criar memória muscular.

A dica dos atletas mais experientes é seguir o próprio ritmo. "É muito importante se permitir fazer algo novo e não se importar com a idade", comenta Vera Havir. Para o boxeador Denivaldo Soares, o essencial é se sentir feliz, o que faz com que o esporte não pareça obrigação. "A hora corre muito rápido quando estou treinando."

O Brasil possui a quinta maior população idosa do mundo, com 19,3 milhões de pessoas acima dos 60 anos. A expectativa de vida está aumentando e, hoje, já passa dos 75 anos. Com a implementação de atividades físicas regulares e a adoção de um estilo de vida saudável, a OMS pode, em alguns anos, passar a considerar como idosos pessoas acima dos 65 anos –medida já adotada em países desenvolvidos.

Vera Havir conta que já foi criticada por pessoas amigas por ter escolhido a corrida como sua atividade favorita, por ser um “esporte de jovem”. Mas acredita que, no futuro, a geração de seus filhos terá mais consciência do que é bom para o corpo e a mente. "Em algum momento, vão perceber que atividade física é saúde!"

Com relação à qualidade de vida, a professora de pole dance Vera Marques afirma que já percebe diferença de pensamento em comparação às gerações anteriores. "Antigamente, achava minha avó com 60 anos muito velha. Hoje estou aqui, aos 64 anos, virando de ponta cabeça.


SAIBA MAIS

Dicas e cuidados antes de começar a praticar atividade física na terceira idade

Benefícios
- Previne doenças como obesidade, diabetes, hipertensão e osteoporose
- Diminui o risco de quedas, uma vez que aumenta a massa muscular e fortalece
- Diminui o risco de fraturas
- Incentiva a sociabilidade. Conhecer novas pessoas enquanto pratica exercício pode melhorar também a saúde mental do idoso

Atenção ao começar
- É indicado passar por uma avaliação médica e realizar exames para garantir que a saúde esteja bem
- Se tem falta de ar, dor no peito e tontura durante as atividades da vida diária, como subir e descer escadas, é essencial passar por checkup antes de iniciar qualquer atividade
- É aconselhável contar com o acompanhamento de um supervisor durante as atividades: um professor da academia, um personal trainer ou o profissional de um centro esportivo municipal podem auxiliar
- Use roupas confortáveis, tênis apropriados e não esqueça a garrafinha de água

Dicas importantes
- Comece com exercícios leves, pois você pode se lesionar ou passar mal com exercícios de alta intensidade. Uma boa opção para quem quer dar o primeiro passo é a caminhada
- Intercale as modalidades: prefira exercícios aeróbicos, que aumentam a circulação e queimam gordura, mas não deixe de fazer atividades de fortalecimento, pois idosos tendem a perder massa muscular
- Com o tempo, inclua na rotina atividades que estimulam a flexibilidade e o equilíbrio, como aulas de ioga e alongamento, para evitar o atrofiamento dos músculos
- Nunca esqueça de se aquecer antes de começar a atividade
- Depois do exercício, alongue o corpo todo! É importante para não sentir desconforto no dia seguinte


Fonte: Fellipe Franco, educador físico; Alexandre Busse, geriatra do Núcleo de Geriatria do Hospital Sírio-Libanês; “Caderno de Atenção Básica - Envelhecimento e Saúde da Pessoa Idosa” (Ministério da Saúde, 2006); “Envelhecimento Ativo: Uma Política de Saúde” (World Health Organization, 2005); “Atenção à Saúde da Pessoa Idosa e Envelhecimento” (Ministério da Saúde, 2010); Pesquisa Nacional de Saúde (IBGE, 2013).

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