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Amizades desde a infância são importante elo com o passado

Saiba quais são os benefícios de cultivar amigos de longa data

As amigas Amanda e Talita posam para foto
Amanda Appel de Castro e Talita Oliveira de Paula mantêm a amizade desde quando eram crianças - Jardiel Carvalho/Folhapress
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Karina Matias
São Paulo

 A administradora Amanda Appel de Castro, 30, e a fisioterapeuta Talita Oliveira de Paula, 30, se conheceram quando tinham 11 anos, na reunião de condomínio do prédio onde moravam. No começo, tiveram reações bem distintas. Talita não foi muito com a cara da menina, que achou "bem patricinha".

Já Amanda gostou de saber que teria uma vizinha com quem poderia brincar. Logo, elas descobriram que estudavam no mesmo colégio (embora em séries diferentes) e, em pouco tempo, já tinham se tornado melhores amigas. É assim até hoje, quase 20 anos depois, mesmo já não sendo mais vizinhas há muito tempo. 

"Talita sempre me mantém conectada com quem realmente sou. Às vezes, na vida adulta, podemos nos perder em alguns momentos, entrar no automático ou focar só o trabalho. E, com ela, posso relembrar tudo o que já vivemos", diz Amanda

Para o psicanalista Christian Dunker, os amigos de infância têm de fato essa característica, que é representar a memória do crescimento de cada um. “Os primeiros amigos nos ensinam que é possível ser amado sem ser alguém da família”, complementa.

Mas a grande dúvida é: por que algumas amizades se mantêm, apesar das distâncias, das mudanças e do afastamento natural, e outras não?  Dunker aponta alguns fatores. Um deles é que há pessoas que conseguem despertar em outras algo que está escondido. “Nossos amigos podem ser a forma de reencontrar, delicadamente, pistas apagadas de nós mesmos."

Outro ponto fundamental, segundo ele, é a capacidade de autorrenovação. “Amizades que não conseguem amadurecer e se transformar com o passar do tempo estão condenadas ao museu”, explica o psicanalista. 

Amanda e Talita já superaram essa barreira e seguem sonhando juntas. “Ainda temos tanto para viver e fazer juntas!”, anima-se Amanda. “A sensação é de que estaremos sempre unidas. Até hoje somos capazes de ficar uma hora conversando ao telefone sobre tudo”, acrescenta a melhor amiga.

É assim também com Izabel Mohor, Maria de Fatima Muniz Amirati, Miriam Rolim Brusarosco  – todas com 62 anos, e Nilza Maria de Souza Nunes, 61, que comemoram neste ano meio século de amizade. O segredo? "Somos amigas desde a escola. Apesar da nossa imaturidade quando mais novas, sempre tivemos muito respeito umas pelas outras. Temos gênios, opiniões e gostos bem diferentes, mas nos mantivemos unidas pela cumplicidade e pelo carinho", diz Miriam, considerada a mais festeira do quarteto e responsável por organizar encontros entre elas.

O psicólogo Yuri Busin reforça a importância da presença física dos amigos. "A internet e as redes sociais são muito benéficas para aproximar antigas amizades, mas elas não substituem o contato real. É necessário conversar olho no olho, perguntar se o amigo está bem, saber ouvir e compartilhar coisas da vida", enumera o especialista.

No fim do ano passado, as amigas foram surpreendidas com uma notícia difícil: Nilza descobriu um câncer no pulmão. "Nunca coloquei um cigarro na boca. Passei por uma cirurgia e por 16 sessões de quimioterapia. E como foi importante contar com o apoio das minhas amigas nessa fase, sempre se oferecendo para ir comigo e me dando apoio! Dividindo os problemas acho que fica bem mais fácil passar por eles e superá-los", diz Nilza.

Elas costumam, também, compartilhar as alegrias. Estão presentes nos momentos mais importantes umas das outras. Até os filhos já se tornaram amigos. Hoje, os encontros organizados por elas costumam reunir cerca de 30 pessoas.

Para definir amizades verdadeiras, o psicanalista Dunker usa como metáfora uma tática criada pelos ingleses para reconhecer os seus navios, quando eram aprisionados por corsários ou inimigos. Eles infiltravam um único fio vermelho entre as cordas que sustentavam as velas das embarcações. Ao cortar uma dessas amarras, era possível identificar se o navio era ou não inglês.

"O conceito pode ser usado para explicar as longas amizades. Elas não precisam ser feitas por fios grossos e aparentes. Sempre serão fonte de reconhecimento", compara o psicanalista. Isso explica a sensação de reencontrar amigos de longa data e sentir que os anos não passaram. "É como se tivéssemos visto a pessoa ontem, pois a intensidade e a qualidade da relação não mudaram com o tempo, mas ganharam mais força ainda."

Funciona dessa forma com os amigos Cláudio Aparecido Pereira, 49, César Serret, 51, Manfredo Kolya, 49, e Sandro Caliari, 49. No caso deles, o "fio vermelho" da amizade começou a ser tecido quando eles tinham em torno de 12 e 13 anos e se reuniam para ouvir as novas bandas de rock que estouravam no Brasil, nos anos 1980, como Os Paralamas do Sucesso e Titãs. "A gente aprontava muito na época, mas sempre de forma saudável. Nunca prejudicamos ninguém", relata Kolya.

De acordo com Caliari, apesar do afastamento natural que acontece na vida adulta, eles sempre mantiveram contato. “Hoje, nos falamos constantemente, um tirando sarro do outro. Acho que o humor é muito importante para manter a amizade. Quando conversamos, a alma fica mais leve. A nossa amizade deixa o dia a dia melhor”, diz.

Para os amigos, falta tolerância nos relacionamentos de hoje. "Nós vemos amizades terminando por brigas políticas ou por futebol. Aqui não é assim, mesmo cada um tendo uma opinião e torcendo por um time", conta Kolya.

Mas será que é possível manter a amizade mesmo após um grande conflito ou uma desavença? Segundo os psicólogos, sim, desde que os envolvidos estejam dispostos e saibam pedir e aceitar desculpas. "Boas amizades geralmente contêm momentos críticos de discórdias e brigas. São aquelas pausas de balanço e afastamento, que usamos para avaliar o valor daquele vínculo em nossa existência", comenta Dunker. Isso significa parar e pensar o quanto aquela amizade é importante.

Segundo o psicólogo Yuri Busin, é na infância que as pessoas aprendem a fazer amigos, e os pais têm papel fundamental no estímulo desses relacionamentos. Exemplo disso é a amizade do arquiteto urbanista Rafael Luiz Amorim Ballotim, e do publicitário Diego Daibs, que possuem 33 anos.

Os dois se conheceram na escola, aos cinco anos, e os pais de ambos foram fundamentais para fortalecer esses laços de amizade. "Lembro que os nossos pais e, especialmente, a mãe do Rafa incentivaram muito a nossa amizade. Eu ia sempre na casa dele brincar e fazer lição de casa", recorda Diego. Na adolescência, mesmo já não estudando mais juntos, os dois continuaram próximos. "A gente andava de bicicleta o dia inteiro e parava no meu avô para tomar um sorvete", conta Rafael.

Por volta dos 16 anos, eles se afastaram quando Rafael começou a namorar. Mas o relacionamento próximo foi retomado alguns anos depois e, de quebra, Diego ainda apresentou novos amigos para Rafael, formando uma grande turma, que costuma se reunir com frequência.

Hoje, mesmo morando em cidades diferentes –Diego vive na capital paulista, e Rafael em Mogi das Cruzes (Grande São Paulo)–, eles mantêm a amizade firme. "Nós somos como irmãos, um protege o outro. A distância física não é nada, estamos sempre juntos", enfatiza Rafael. Ele destaca, ainda, algumas curiosidades: "Nós dois nascemos com apenas seis dias de diferença um do outro e somos casados com mulheres um pouco mais velhas e que têm o mesmo nome, Luciana".

O psicólogo Busin destaca que existem várias pesquisas que indicam que ter e cultivar amigos é um dos segredos da felicidade. "Muitas vezes, as pessoas levam a vida focando só o trabalho, deixando os amigos de lado em busca do sucesso. E deveriam fazer o contrário: focar os relacionamentos, porque são eles que proporcionam a felicidade."

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