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Médicos e psicólogos destacam benefício de conviver com bisavós

Contato com crianças funciona como uma injeção de ânimo para o idoso

A professora Mercia de Oliveira Kolya, 83 anos, é bisavo do Elvis Zoltan Kolya, de dois anos - Rivaldo Gomes/Folhapress
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Karina Matias
São Paulo

Na tradição popular, dizem que ser avó e avô é ser mãe e pai duas vezes. E bisavós? É amor triplicado? As mulheres e os homens que têm a oportunidade de viver essa experiência garantem que é isso e muito mais. "Ser bisavó é maravilhoso", afirma Maria Nascimento Moreno, 87 anos, oito filhos, 24 netos e 12 bisnetos.

Não há dados oficiais sobre o assunto, mas o aumento da expectativa de vida dos brasileiros nas últimas décadas reforça a percepção de que hoje o número de famílias que têm ao menos um dos bisavós é maior. Em 1940, segundo informações do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), a expectativa de vida do homem brasileiro era de 42,9 anos, e da mulher, 48,3. Em 2016 (último registro disponível), esse número saltou para 72,2 para eles, e 79,4 para elas. 

Em seu dia a dia como geriatra, o médico Paulo Camiz, do Hospital das Clínicas de São Paulo e professor da USP (Universidade de São Paulo), tem a mesma sensação. "Venho notando isso, e as minhas próprias filhas são exemplos, já que elas têm uma bisavó", diz. Para ele, mais do que números, o importante é que as famílias tenham a consciência do quanto essa relação entre bisavós e bisnetos pode ser benéfica e especial.

"É um relacionamento em que todos só têm a ganhar", avalia. Segundo ele, o contato com crianças funciona como uma injeção de ânimo para o idoso. "Até por isso, é muito comum serem estimuladas e realizadas visitas de grupos escolares em residências em que moram idosos. Vemos que há uma melhora no ânimo, no comportamento, no psicológico e, consequentemente, na saúde do idoso", enumera.

Por outro lado, afirma o médico, os mais jovens têm muito a aprender também com esse relacionamento. "Ter esse contato próximo com avós e bisavós é uma forma de ensinar a criança a, desde pequena, respeitar e valorizar a experiência dos mais velhos. Hoje, infelizmente, vemos muito desrespeito em relação aos idosos", completa.

No casa da bisa Maria Moreno, que vive sempre cheia de filhos, netos e bisnetos, o amor e o respeito são a base de tudo. "Não gosto da casa vazia, não. Prefiro que brinquem aqui do que na rua e deixo as crianças à vontade", diz. Por lá, os bisnetos podem tudo. Ou melhor, quase tudo.

"Só não gosto que mexam com as minhas plantinhas, diz ela. Maria tem um cuidado todo especial com as suas orquídeas, rosas, videiras e outras plantas que cultiva no quintal. Tratamento semelhante ao que dá para a família e que diz ser a sua fórmula para mantê-la ao seu lado e ajudá-la sempre que necessário. A casa dela é como um porto seguro para onde todos correm quando precisam de um auxílio.

"Não tem segredo. É ter fé, amor e carinho. Se não resolver os problemas com isso, não resolve com nada", ensina. Os bisnetos, por sua vez, são só elogios. "É muito bom ter uma bisavó. Ela é linda", afirma Otávio Bruschi, 19 anos, o mais velho deles. No caso dos aposentados Linda, 83 anos, e Durval Buono, 87 anos, o primeiro e, até agora, único bisneto, Mateus, chegou há pouco mais de um ano para gerar muita alegria e fazê-los reviver emoções do passado.

"É uma satisfação enorme tê-lo conosco. Fazemos a festa com ele", revela Linda. Ela comenta que é incrível ver como o menino repete um hábito que a sua neta Mariana Paschoal  Pondioli, mãe dele, tinha quando criança. "Ele chega na minha casa, abre o armário da cozinha e tira tudo o que tem dentro, exatamente como ela fazia”, diverte-se. 

Para Mariana, é bonito ver a relação de amor que ela tinha com os avós ser transmitida para o próprio filho. "Não tinha mais criança na família havia muitos anos, e a chegada dele foi muito feliz para os meus avós. Eu também tive bisavó e acho que é um contato muito importante, que faz a diferença na nossa vida adulta”, define ela.

O psicólogo Alexandre Rivero corrobora a informação. Ele destaca que essa troca presencial de afeto com os mais velhos é fundamental para o desenvolvimento da criança, especialmente hoje em dia, em que os brinquedos que envolvem tecnologia dominam o dia a dia dos pequenos. "O videogame, o computador, o smartphone, por mais atrativos que sejam, não substituem a interação, o toque e a conversa em tempo real acompanhada do olhar, sem mediação por máquina", observa o especialista.

Ele acrescenta também que ter avós e bisavós é uma oportunidade valiosa de saber mais sobre as próprias origens. "Conhecer a experiência daqueles que nos antecederam, com suas histórias e com a cultura de nossa família, é nos fornecer referências éticas e existenciais insubstituíveis”, observa. 

Rivero complementa que, em muitas famílias, os bisavós de hoje exercem papel semelhante ao dos avós do passado, já que, como aumento da longevidade, muitas pessoas continuam ativas e trabalhando até idades mais avançadas. "Bisavós e bisnetos têm encontrado nessa troca o preenchimento do carinho, do brincar e da presença", diz. A psicóloga Maristela Gonçalves compartilha opinião semelhante.

"Muitos avós, embora aposentados, continuam com suas rotinas profissionais ou com atividades extras, e a relação de cuidado e apoio ficou mais estreita com os bisavós, que passaram a participar mais ativamente da vida dos bisnetos, estreitando os laços de afeto, carinho, respeito e até sendo exemplos a eles." 

PARAÍSO DOS BISNETOS  

Sabe aquela história de que na casa dos avós pode tudo? Imagine na dos bisavós. É mais ou menos assim que funciona o lar do casal de aposentados Edna Albuquerque de Camargo, 73 anos, e Francisco Nogueira de Camargo, 73 anos.

Lá, desde os tempos dos netos —e agora das bisnetas—, a criançada recebe tratamento mais do que especial. Pode levar amigos, brincar na sala, ver filme comendo bolinho de chuva e encenar peças com direito a participação dos bisavós no elenco. Até mesmo o barzinho da casa vira palco para as brincadeiras das crianças.

"Gosto de brincar com eles de escolinha, lojinha, boneca”, diz Rafaela, quatro anos, a bisneta mais nova. Edna diz, no entanto, que há limites para não atrapalhar a educação dada pelos pais. "Estabelecemos algumas regras, mas resolvemos tudo com base no diálogo e na conversa", relata.

Ela admite, porém, que era mais rígida com os filhos e que foi amolecendo com a chegada dos netos e bisnetos. "O segredo é ter uma boa dose de paciência, mas, muito mais do que isso, é ter amor”, ensina. Já Camargo, ou biso Chico, como é chamado pelas crianças, derrete-se pelos pequenos. "Filho já é doce. Neto é filho com açúcar, e bisneto é melado", fala, em tom de brincadeira.

De acordo com a psicóloga Maristela, essa disponibilidade de Edna e Camargo é observada também em outras famílias. "O fato de os bisavós não terem mais tantas obrigações e compromissos permite que eles tenham tempo e condições de participar da vida dos bisnetos ativamente. Muitos deles ajudamem seus cuidados diários, e é uma relação que permite uma conexão agregadora para todos." 

Maria Clara, 11 anos, a bisneta mais velha do casal, destaca que, além das brincadeiras, os bisos são exemplos para ela. "Eu adoro ficar com eles. O meu biso me mostra os livros dele de direito, de cavalos, as fotos das viagens que já fizeram. Eles também sempre me ajudam a estudar, principalmente, geografia", diz. 

Para o pai delas e neto de Edna e Chico, o empresário Paulo Ricardo Ferreira Camargo, 29 anos, é maravilhoso que as filhas tenham a oportunidade de ter essa convivência. "O mais bacana é que eles são bisavós ativos que participam da criação delas, dos momentos bons, alegres, mas também das ocasiões mais difíceis", diz.

Ele acrescenta que teve uma relação muito boa com os avós. "É legal que elas também estejam vivenciando isso. Eles são como pilares para a nossa família, exemplos de pessoas amigas, companheiras, em quem todos nós nos espelhamos”, conclui. 

FAZ BEM PARA A SAÚDE 

A psicóloga Maristela confirma que já existem estudos que comprovamos benefícios desse relacionamento. "As crianças aprendem o que vivenciam e, tratando-se de uma experiência positiva, demonstram mais ternura, carinho e compaixão quando comparadas às crianças que não têm proximidade com seus bisavós e avós", afirma.

Ela acrescenta que, para os bisnetos, muitas dessas vivências serão incorporadas à vida adulta. "Além disso, pesquisas apontam que a relação entre bisavós e bisnetos pode ajudar a diminuir sintomas de ansiedade e de depressão para ambas as partes", reforça. Outro fator importante, segundo salienta a psicóloga, é que os idosos mais próximos dos netos e bisnetos têm menos propensão a se sentirem solitários ou abandonados pela família. 

"Assim sendo, eles se sentem úteis, com novas histórias para compartilhar e contar”, complementa o psicólogo Rivero.Os profissionais acrescentam, ainda, que esse relacionamento entre gerações tão distantes é enriquecedor para toda a família. "Os bisavós entram em contato com uma geração nova, conectada e cheia de ideias. E, para os bisnetos, esse contato próximo oferece uma sabedoria adquirida ao longo da vida”, ressalta Maristela. 

É o que o estudante Vitor das Chagas Pereira, 11 anos, vive na prática. Ele tem duas bisavós: do lado da mãe, é a bisa Janete Dias Aragão, 84 anos; e do lado do pai, é a bisa Aparecida Soares, 83 anos. O menino fica impressionado ao imaginar que, quando elas eram crianças, na década de 1940, não existia nem televisão. Por isso, procura ter sempre paciência para ajudá-las quando elas têm alguma dificuldade tecnológica.

"Quando eu vou à casa daminha bisa Janete, muitas vezes, ela pede algum auxílio para mexer no celular, no WhatsApp", diz. Mesmo procurando estar antenada com as novidades, Janete, que tem outros dois bisnetos e já é até tataravó, mantém tradições típicas das avós, como o hábito de fazer doces gostosos. "O Vitor adora o meu bolo de fubá." Além do Vitor, a bisa Cida também tem outros oito bisnetos. "É uma delícia acompanhar o crescimento deles."

Agora, imagine uma bisavó que ganhou a oportunidade de dar aula para o próprio bisneto. É o privilégio que tem a professora Mércia de Oliveira Kolya, 83 anos. Musicista, ela é a responsável por ensinar iniciação musical para 32 turmas de um colégio particular de Cotia, na Grande São Paulo. São crianças com idade entre dois e nove anos. Um deles é o bisneto, Elvis, quatro anos. "Dei aula para os meus filhos, netos e agora para o meu bisneto. É uma oportunidade única poder ser professora, amiga e companheira dele.

"Ela tem também outro bisneto, Carlos, quatro anos, para quem não dá aulas na escola, mas com quem faz questão também de dividir o seu conhecimento. "Ensino-o em casa e é uma satisfação muito grande”, afirma. "Graças a eles, estou dando continuidade à minha própria vida”, conclui.

PAPEL DOS PAIS É ESSENCIAL 

A família, especialmente os pais, tem papel fundamental para que bisavós e bisnetos convivam de forma próxima. "São eles que devem ligar essas duas pontas, já que, em muitos casos, os bisavós, até pela idade avançada, têm problemas de locomoção ou de saúde. Do outro lado, a criança, normalmente, não
possui condição de ir sozinha até eles.

Portanto, cabe aos pais aproximá-los", diz o geriatra Paulo Camiz, do Hospital das Clínicas de São Paulo e professor da USP (Universidade de São Paulo). O empresário Paulo Ricardo Ferreira Camargo, 29 anos, é exemplo disso. Ele não dispensa levar as filhas, Maria Clara, 11 anos, e Rafaela, quatro anos, no mínimo duas vezes por semana, à casa dos bisavós, Edna e Francisco de Camargo, ambos de 83 anos.

"Faço questão que elas tenham esse contato próximo com os meus avós, que foram e continuam sendo pessoas muito importantes para mim”, destaca. Como eles estão bem de saúde, toda a família costuma viajar junta. "Adoro viajar com os meus bisavós", afirma Maria Clara.

No caso dos bisavós que ajudamos pais a cuidar das crianças no dia a dia, a psicóloga Maristela Gonçalves afirma que é preciso ter atenção para não sobrecarregá-los. "É importante ressaltar que os pais são os responsáveis pela educação e pela disciplina dos filhos. Os bisavós são auxiliadores e, muitas vezes, precisam de descanso e até mesmo de um rodízio com outros familiares, em razão da idade avançada e do desgaste natural proporcionado pelas crianças dos tempos modernos", pondera.

Veja os benefícios do relacionamento entre bisnetos e bisavós
Veja os benefícios do relacionamento entre bisnetos e bisavós - Arte
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