Paulo Betti diz que até hoje perguntam se ele é gay após Téo Pereira
'Não consigo viver sem militar', afirma ator sobre ato contra Bolsonaro
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Ao contrário do blogueiro Téo Pereira, seu personagem na novela "Império" (Globo), Paulo Betti, 68, não pensa só em cliques e likes. O ator diz que teve receio de não estar ajudando a promover um debate mais amplo sobre a causa LGBTQIA+ tanto na estreia da trama, em 2014, quanto agora, na reexibição em horário nobre.
"Ele teve muitas resistências quando começou a aparecer", lembra o ator em entrevista ao F5. "Houve logo uma reação de alguns blogs que diziam que era muito caricato, que poderia prestar um desserviço à causa LGBT. No primeiro momento, fiquei pensando: será que estou dando tiro no pé? Jamais desejaria fazer algo que fosse negativo."
Betti diz, porém, que conseguiu reverter a preocupação ao conversar com um primo, que é homossexual e vive no interior de São Paulo. "Ele me ligou e disse que [o personagem] estava fazendo o maior sucesso, que, da maneira que eu representava, fazia bem para ele", conta. "Aí fui me aliviando dessa perspectiva de realizar algo que fosse contrário ao movimento de liberação, o que eu sempre acreditei."
Também ajudou o fato de que a reação das pessoas ao redor dele foi a melhor possível. Ele recorda que a novela estreou dois meses após o início das filmagens, mas que "você percebe na hora que está gravando o câmera, o iluminador, o contrarregra, a figurinista dando a resposta para você".
Depois da estreia, a repercussão foi ampliada. "Eu via na rua as reações das pessoas", afirma Betti, ao celebrar que o mesmo ocorre agora que a novela é reexibida —por causa do adiamento das tramas inéditas gerado pelo fechamento dos Estúdios Globo durante a pandemia e pela lentidão das gravações com os rigorosos protocolos de segurança.
"Hoje, revendo a novela, parece que o personagem está fazendo sucesso de novo", avalia. "Quando eu passo, as pessoas gritam 'Cu-ru-zes', que é o bordão do personagem. São geralmente homens. Eles querem abrir uma comunicação comigo, fazer um contato, tirar sarro... As pessoas pedem para eu falar o bordão, é bom."
Ele afirma que o personagem já veio praticamente pronto nos roteiros do autor Aguinaldo Silva, 77. "Assim que eu recebi o texto a primeira coisa que eu percebi é que tinha um 'ê' puxado, diversos 'êêês'. Isso estava no texto dele, como que eu vou falar isso? Vinha escrito 'quêêêridooo'. Eu fui tentar descobrir."
"Não tinha como falar aquilo sem ser razoavelmente afetado", afirma. "A bicha louca é a bicha afetada, que faz gestos, que transborda... Quando veio o texto, imediatamente decidi que faria dessa maneira. No fundo, entre a intenção e o que acontece na interpretação há o imponderável. Você faz uma coisa e acerta ou não."
Betti diz que procurou referências em obras como a peça "Abajur Lilás", de Plínio Marcos, e o filme "O Bandido da Luz Vermelha" (1968), de Rogério Sganzerla. Ao contrário do que muitos pensam, ele diz não ter se inspirado no jornalista Leo Dias, um dos mais conhecidos colunistas de celebridades do Brasil.
"Eu fui conhecer Leo Dias e fiz uma entrevista com ele", confirma. "Mas o tipo do personagem não foi inspirado nele. Eu, como ator, não me inspirei no Leo Dias para fazer o personagem, mas soube que a escrita do personagem talvez tenha tido alguma referência. Mas não é uma coisa direta, é essa coisa de construção de personagem. Para achar o personagem, você bota diversos nomes no caldeirão."
Além disso, Betti diz acreditar que o personagem tem muito do autor. "Ele é um pouco Aguinaldo", conta. "De uma forma brincalhona, Aguinaldo se coloca nele também. Ele [o escritor] não é nada politicamente correto, ele tem opiniões fortes... Mas, claro, que não é um retrato dele."
Ele afirma que Téo Pereira é fruto da imaginação de Aguinaldo Silva e que pouco interferiu na criação do personagem. "Tem pouquíssimos cacos", diz. "Tem um caco que eu botei que é quando o Téo é preso. Quando eu chego na cadeia, os presidiários começam a perguntar se tinha muito ator gay. Na hora que terminou a cena, eu continuei e falei: 'Sabe quem é gay? O Paulo Betti!'."
Casado com a atriz e humorista Dadá Coelho, o ator afirma que até hoje há quem acredite nisso. "Tem gente que não acredita que eu não sou gay", conta. Para a Dadá também, sempre falam: 'Ele é gay, não é possível!'. Mas, é isso, nós temos os personagens na gente."
Entre os que ajudaram na composição, o ator destaca o trabalho da figurinista Helena Gastal. "Ela me mandou para o cabeleireiro e pediu que fizesse aquele corte, daquela maneira: alisado, puxado... Os óculos, as calças justas são dela. Você veste uma série de coisas que não tem muita saída, não tem como fazer um tipo sóbrio com aquela caracterização (risos)."
"Poxa vida, eu tive um trabalho danado", lembra. "Meu cabelo é meio ondulado, então tinha que, pelo menos duas vezes por semana, ir ao salão para deixar ele lisinho", diz o ator, que já conquistou dois prêmios Molière, quatro Shell, três APCA (Associação Paulista de Críticos de Artes), três Mambembe em mais de quatro décadas de carreira no teatro, cinema e televisão.
Betti revela um ritual mais inusitado a que ele se submeteu por opção própria. "Inventei uma acupuntura facial", conta. "Vai picando com agulhinhas o seu rosto. Fazia isso nas pálpebras, no rosto todo, para ficar com aquela pele maravilhosa de Téo Pereira. Era uma coisa para estimular o colágeno. Aquele microagulhamento é como se você tomasse 2.000 vacinas na cara, no nariz. Doía muito!"
Mas para quê tanto sofrimento? "Ator se agarra até em fio desencapado para fazer papel, a gente vai por onde pode para achar o personagem", diz, aos risos. "São rituais que você começa e depois mantém. Logo de cara, nos ensaios, comecei a fazer, então não ia parar um condicionamento que estava dando certo."
Apesar de não gostar de ver os trabalhos quando estão no ar, Paulo Betti afirma apreciar a experiência de rever o personagem agora. "Penso que é um trabalho de composição", avalia. "Tive muita influência de comediantes na minha atuação, como Jorge Loredo (o Zé Bonitinho), Ronald Golias e Oscarito. Às vezes, eu tendo que tomar cuidado. Nesse personagem, não tinha que tomar cuidado nenhum, era uma escolha."
Na trama, Téo Pereira acaba expondo o personagem Cláudio Bolgari (José Mayer), que é casado com Beatriz (Suzy Rêgo), mas é apaixonado pelo amante, Leonardo (Klebber Toledo). Betti diz que a perseguição se deve a uma paixão reprimida.
"Ele queria que eles fossem casados, namorados, que estivessem juntos", afirma. "Provavelmente, Téo teve uma paixão quando era mais jovem, mas Claudio não correspondeu e foi para outra vida." Nos próximos capítulos de "Império", o jornalista teme uma retaliação de José Alfredo (Alexandre Nero) após divulgar resultado de DNA de Cristina (Leandra Leal).
Paulo Betti comemora que "nunca tive nenhum Téo Pereira na minha cola não, graças a Deus." "Nunca tive um repórter que me perseguiu", comemora. "Tive entrevistas que eu dei e saiu uma coisa diferente, mas isso é normal, porque às vezes a gente nem sabe direito o que falou (risos)."
"Paparazzi quando eu vejo dou tchauzinho, sei que são pessoas que estão trabalhando naquilo. Nunca teve numa circunstância que me desagradasse. Não senti maldade até hoje", diz o ator.
No ar também com um personagem completamente diferente, o Jonas de "A Vida da Gente", na faixa das 18h, ele afirma que teve menos preocupações na construção do personagem. "Era uma novela mais naturalista. Sou sempre muito crítico quando estou fazendo, procuro não ver muito, se possível", diz.
"Se você vê, fica meio querendo corrigir alguma coisa de fora. É melhor que o personagem saia espontaneamente. Tenho sido bastante condescendente comigo, acho que fiz bem os dois papéis", alegra-se. "Quando eu vejo eu gosto, está direitinho. Normalmente, fico prestando atenção se não estou torto (risos)."
"Se eu estiver retinho, bem postado e não estiver esbarrando no cenário, já está ótimo", explica. "Quando a gente é muito jovem, fica um tal de cavucar sentimento, emoção, às vezes não precisa, é só prestar atenção e perceber o que o texto está falando."
Ao contrário de alguns colegas, Betti não se furta de falar sobre preferências políticas. Recentemente, ele participou no Rio de Janeiro do ato que pedia o impeachment do presidente Jair Bolsonaro (sem partido). "Não quero carreira política nem cargo, mas gosto de exercer essa coisa da militância", afirma. "Eu não consigo viver sem militar. Adoraria ficar neutro, ser isentão, mas eu não consigo."
O ator, porém, diz que não cobra ninguém de ter a mesma postura que a dele. "Faço de acordo com a minha consciência", conta. "Os riscos que eu posso correr são de minha responsabilidade. Cada pessoa sabe da sua personalidade, das suas idiossincrasias. Cada um tem a sua responsabilidade, não sou nem gostaria de ser aquele que fica cobrando. Cada um tem seu tempo e sua hora."
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