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Criticados, diálogos simples e cenas inverossímeis de 'A Dona do Pedaço' são a chave do sucesso

Para especialistas, artifícios antigos aparecem para atingir a massa

Maria da Paz ( Juliana Paes ) João Miguel Júnior/Globo

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São Paulo

No ar desde meados de maio, “A Dona do Pedaço” (Globo) tem dividido a opinião de telespectadores e críticos. Se por um lado ela é aclamada pelos múltiplos assuntos que aborda –desde brigas familiares a transexualidade–, por outro, tem recebido algumas reprovações sobre diálogos e cenas consideradas inverossímeis.

Todo mundo já ouviu, leu ou mesmo comentou o quão bobos parecem alguns diálogos da trama, diante do grande potencial dos assuntos, como quem lavaria as cuecas sujas de Márcio (Anderson Di Rizzi) ou o assédio moral praticado por Fabiana (Nathalia Dill) contra Britney (Glamour Garcia).

Especialistas, no entanto, apontam que justamente esses diálogos podem ser a chave para o sucesso da novela com o público. "Os diálogos são simplistas para falar a voz desse público", afirma Claudino Mayer, especialista em TV e professor da Universidade Federal do Mato Grosso. 

“São conversas de fácil compreensão, que precisam ser assim mesmo. Não pode ser um diálogo erudito, como em ‘Dom Casmurro’. O Walcyr sabe como falar com o público, e por isso sabe o que gera sucesso”, continua ele. “A novela é feita para uma grande massa, que pega diferentes pessoas. E não é porque uma pessoa é milionária que ela tem um nível de cultura A ou B”.

Mauro Alencar, especialista em teledramaturgia e pós-doutorando da Universidade Católica Portuguesa, vai além: “'A Dona do Pedaço' é um melodrama por excelência, uma fábula urbana que encontra eco nas [...] histórias populares, cuja premissa é uma linguagem de compreensão imediata pelas massas, mas que ainda assim transmitem mensagens profundas a partir de arquétipos que tão bem já foram explorados por Walt Disney, por exemplo”.

Um outro fator apontado por aqueles que criticam a novela são as situações que lhes parecem pouco críveis. Vivi Guedes (Paolla Oliveira) já foi apontada como uma influenciadora digital "mixuruca", já que não há cenas dela fazendo stories na rua, reclamando do engajamento ou fazendo permutas. Já Maria da Paz (Juliana Paes) foi apontada como “ingênua demais” sobre o que acontece a sua volta. 

Mas, segundo Alencar, Maria da Paz é simplesmente um grande arquétipo de folhetim, que se mistura a fatos da atualidade (como o núcleo da moderna Vivi Guedes). “Dentro do emaranhado comportamento humano, sua ingenuidade vem da pureza primitiva das grandes criações de Perrault, Grimm e Disney. [...] Como bem diz a letra da abertura da novela, a personagem enfrenta obstáculos e ‘vê a sua hora chegar’. Nada mais simbólico para os tempos de hoje. Daí reside em muito o sucesso da novela”.

Para Mayer, o diferencial da novela está justamente na personagem de Juliana Paes, que inova por sua alegria e descontração. “Existe um planejamento: Walcyr pensou em uma Maria da Paz com esse carisma, sem apego ao dinheiro e bens materiais. Esse carisma dela é o diferencial. Sua personagem dialoga e faz com que o público se reconheça nela. [...] As personagens têm coerência dentro do universo criado pelo autor”, diz.

A trama, segundo ele, trabalha dentro de uma superficialidade que faz com que o público entenda mensagens de fácil compreensão. “Claro, a novela não inova em nada, é tudo repetido. Mas Maria da Paz inova por ter esse desapego com o dinheiro e pelos relacionamentos que tem —e muita gente acha isso inverossímil, porque não faz parte do que está acostumado a ver”.

Alencar aproveita para questionar as "coisas sem sentido" que acontecem no próprio dia a dia. “Quantas situações que pareciam inverossímeis não estamos vendo em nosso cotidiano social? O ato de fabular pressupõe quebra de padrões, paradigmas, recriação da realidade, do noticiário; caso contrário estaríamos todos prisioneiros da realidade, crua e nua”. 

PROPAGANDAS

Cenas de novelas que costumam render mais comentários nas redes sociais são as que contêm algum tipo de propaganda –como uma marca de carro ou celular que acaba “escapando” entre uma passagem e outra. Mais recentemente, pipocou nas redes a referência ao serviço de entrega de comidas iFood.

Para Mayer, o artifício é válido. “A novela reflete o nosso cotidiano. Se eu tenho que sacar dinheiro, por que não ir a um banco? Eu também uso carro, celular… Aquilo faz parte do dia a dia. Vivi Guedes é uma digital influencer, é muito natural que uma marca a patrocine”, diz. “Isso de fato não atrapalha em nada a trama, só fortalece, ainda mais por ser um produto de massa”.

Em sua opinião, o público que mais julga a trama é aquele que não assiste à novela diariamente e a acompanha majoritariamente pelas redes sociais. “É o público cativo, que assiste à novela todos os dias, que dá audiência. Não quem colhe uma informação nas redes sociais, onde é muito mais fácil falar mal do que bem.”

A soma de fatores —a simplicidade, as mensagens e o engajamento online— são receita para que a novela se garanta como um fenômeno de audiência. “Ela está se mantendo em uma média de quase 45 pontos de audiência, mesmo com tudo isso. Está atendendo a sua proposta. Com todas essas falhas, fortalece o gênero. Ela gera lucro para a empresa, gera comentários nas redes sociais, chega a questionar diálogos... Só por isso, ela já está contribuindo”.

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