Saiu no NP

Travessura de criança mobiliza a polícia em São Paulo

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Em fevereiro de 1975, uma menina de 12 anos desapareceu do quintal de sua casa em São Paulo enquanto os adultos estavam ausentes. Foi encontrada vagando pelas ruas da Vila Medeiros (zona norte da capital), no mesmo dia, e levada de volta ao lar pela polícia, que passou a buscar os sequestradores descritos pela criança.

Interrogada em casa, Maria Dolores Ferreira afirmou que, ao lavar roupa no quintal, viu sair do matagal nos fundos da casa dois homens de camiseta branca. Eles taparam-lhe a boca e a arrastaram até a avenida Cabuçu para aguardar o carro de um comparsa. A menina disse ainda que desmaiou e só acordou na estação da Luz, onde foi abandonada por seus sequestradores sem maiores explicações. Como conseguira voltar sozinha para a zona norte, Maria não soube dizer.

Não soube dizer, ou não conseguiu inventar. Pois no dia 23 de fevereiro o "Notícias Populares" revelava a verdadeira história por trás do sumiço da garotinha que mobilizou os policiais do 39º DP (Vila Gustavo). O repórter Nelson del Pino conseguira convencer Maria Dolores a contar suas aventuras, que começavam em Minas Gerais.

Crédito: Folhapress
Reportagem de 23 de fevereiro de 1975 revela a história por trás do "sequestro" da menina Maria Dolores Ferreira, que, então com 12 anos, quis ir a pé de São Paulo a Minas Gerais

Nascida numa pequena cidade no interior do Estado, a menina pertencia a uma família de poucos recursos e foi entregue por seus pais a um casal pouco antes de completar dez anos. Manoel e Doralice seguiam para São Paulo com os dois filhos e aceitaram cuidar da educação da menina. Maria Dolores e seus novos pais se instalaram na Vila Mazzei, zona norte da capital paulista.

A rotina da garotinha consistia em cuidar dos dois novos irmãos enquanto os adultos estavam trabalhando. Segundo o relato do "NP", Maria Dolores se conformou com a situação e entendia que era tudo para o seu bem. "Mas a saudade falou mais alto e, pela primeira vez, ela pediu para dar um passeio até Minas: queria rever a família."

O casal concordou e ficou combinado que um parente de Maria viria buscá-la para uma temporada com os pais. Mas, no dia marcado, em vez de um parente, apareceu apenas um conhecido dos pais dela, e o casal, desconfiado, cancelou o passeio. Del Pino conta que "a menina passou então a demonstrar timidez, almejando sempre a viagem que, em sua pequena experiência, parecia-lhe mais distante com o passar dos dias".

Pouco depois chegou uma carta dos pais mineiros contando que o irmão mais velho de Maria Dolores havia fugido de casa. A garotinha então decidiu fazer o mesmo, só que ao contrário: voltaria para a casa da família na primeira oportunidade. Então, no dia do alegado sequestro, ela se embrenhou no mato atrás do quintal e foi andando pelos bairros da zona norte.

"Mas a realidade chegou à tarde", escreve o repórter: "depois da segunda chuva do dia, estava com fome, frio e perdida na cidade". Percebendo que não estava no caminho para Minas Gerais, perguntou em uma casa onde ficava a Vila Mazzei. Na primeira tentativa, Maria Dolores foi enxotada pelo morador, que pensou tratar-se de uma mendiga, mas na casa ao lado despertou compaixão. A polícia foi chamada, e a presença dos agentes apavorou a menina, que inventou a história do sequestro para não levar bronca.

Depois de revelada a verdade, a polícia voltou aos seus afazeres e a viagem a Minas continuou sendo só uma promessa. Não se sabe se Maria tentou novas fugas, mas, como aponta Del Pino, o mais provável é que "a mineirinha saudosa, de imaginação fértil e muita coragem, deve estar nesse momento limpando a casa, com um olho nas crianças e outro na televisão, assistindo a violentos filmes policiais que trazem um evasivo alerta: 'Proibido para menores de 14 anos'".

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