Saiu no NP

Falsa médium fazia truques para conjurar fantasmas

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Em setembro de 1970, o "Notícias Populares" deu destaque ao desmascaramento de uma médium famosa nos meios espíritas da época, Otília Diogo. Ela ganhara fama alguns anos antes ao promover materializações de Irmã Josefa, freira de origem alemã que viveu num convento de Itu (SP) e morreu na década de 1950. Suas "aparições" através dos poderes da médium fascinaram crentes e descrentes, mas também levantaram suspeitas.

O interesse do "NP" pela Irmã Josefa começou em fevereiro de 1969, quando um parapsicólogo paulista anunciou que faria o fantasma aparecer para seus convidados em uma casa na rua Caio Prado, próxima à rua Augusta. Marcos Ramos afirmava que as materializações de Otília Diogo eram falsas e que traria agora a verdadeira freira. Prometia também usar seus poderes para fazer um ovo atravessar uma sala e terminar o trajeto em uma frigideira, voando.

Parece absurdo, mas os convidados apareceram para ver o show na noite de 26 de fevereiro. A equipe de reportagem foi verificar, desconfiada dos métodos do parapsicólogo: ele faria o fantasma aparecer com a luz acesa, e não sob uma lâmpada vermelha, como ditava a cartilha dos médiuns.

A história do ovo também era estranha, e na matéria do dia 27 ("Fantasma da rua Augusta vai aparecer na televisão") o repórter Moacyr Jorge reconta a "fritada". Marcos Ramos colocou o ovo dentro de um chapéu, cobriu com um pano e sentou-se numa cadeira. Depois de um tempo, foi ver se o ovo estava lá; não estava, mas também não foi parar na frigideira e ninguém o viu voar. Como consolo, ovos fritos foram servidos a alguns ilustres convidados.

Crédito: Folhapress
Reportagem aponta falhas na materialização do parapsicólogo Marcos Ramos, que não seguiu as regras de costume

Logo em seguida começou a concentração para materializar Irmã Josefa. O parapsicólogo foi algemado e sentou-se numa cadeira, e um biombo foi colocado à sua frente para escondê-lo. Alguns rosnados e gemidos depois, surge uma figura com um lenço que cobria da cabeça à barriga, "de meias pretas com frisos, iguaizinhas às que o 'professor' usava". O fantasma também usava as ceroulas de Ramos. O fotógrafo Soichi Tokai esticou o pescoço por trás do biombo e viu apenas uma cadeira vazia onde Ramos deveria estar sentado.

Diante da farsa, a fama de Otília Diogo foi reforçada. Suas materializações por meio de ectoplasma –uma substância ou energia espiritual que supostamente é expelida por médiuns e fornece material para que o espírito se torne visível– haviam começado em cidades do sul de Minas Gerais, e o sucesso a trouxe a São Paulo. Em 5 de agosto de 1969, Otília compareceu a um centro espírita do bairro Ipiranga para mostrar seus talentos.

Segundo a reportagem do dia seguinte ("Fantasma do Ipiranga fez chover perfume!"), a médium foi algemada em uma jaula grande coberta com panos e começou a emitir sons como se estivesse com ânsia de vômito. Mas era o ectoplasma saindo pela boca, nariz e ouvidos. O fantasma aspergiu perfume sobre os espectadores para anunciar sua presença. Em seguida surgiu por trás dos panos o vulto branco de Irmã Josefa, que, com sotaque alemão, abençoou os presentes e disse "Viva Jesus!" antes de voltar aos planos da eternidade.

Os que presenciaram a cena ficaram fascinados. Em outra apresentação na casa de um importante industrial paulistano, no Morumbi, Otília ganhou a admiração de um cirurgião plástico. Perto dos 40 anos, a médium apresentava algumas rugas e pediu ao doutor para retirá-las; em troca, ela faria uma materialização especial para ele e sua família. Essa história foi recontada pelo "NP" em 13 de setembro de 1970, quando a farsa das materializações foi revelada ("Desmascarado o fantasma da 'Irmã Josefa'").

Acontece que o médico começou a desconfiar de uma maleta que Otília carregava e da qual não tirava os olhos nem por um minuto. Ela se hospedou na casa do cirurgião nos dias que antecederam à "grande materialização", e levou a tal bagagem. Durante o evento, quando as luzes já tinham sido apagadas, ele viu a médium levantar-se atrás das cortinas que a escondiam, mas não falou nada para evitar a humilhação diante dos convidados.

Após a materialização, o médico e a família organizaram uma festa com muito uísque. Bêbada, Otília se retirou para o quarto e, assim que caiu no sono, o doutor e sua mulher entraram e surrupiaram a mala. Aberta, ela liberou todos os espíritos: o capuz com contas fosforescentes, a cruz, o rosário, as luvas e o véu de Irmã Josefa. Também estavam ali objetos das outras materializações de Otília, o indiozinho Japi e o Dr. Veloso. Por fim, o médico encontrou também frascos do perfume que era jogado na sala antes das aparições.

Em Campinas, onde Otília vivia, a notícia da descoberta da farsa da Irmã Josefa não era novidade. Nestor Rocha era espírita e acompanhava a médium desde 1952, quando ela ficou famosa na cidade de Andradas (MG), e contou à reportagem do "NP" que percebeu a farsa depois de alguns anos. Mas garantiu que, até 1965, as materializações eram verdadeiras, e que Otília começou a fraudar só depois que perdeu seus poderes.

Irmão José, do centro espírita de Campinas onde Otília fazia suas materializações, ficou desolado. No seu programa de rádio, ele havia falado várias vezes da médium e atraiu pessoas de São Paulo para vê-la. Ele disse nunca ter desconfiado de nada. O marido de Otília, José Diogo, também afirmou não saber da fraude. Ela mesma confessou depois que não lavava nunca as roupas da freira porque não podia estendê-las no varal, à vista do marido.

Ainda na casa do médico, quando ficou sabendo que haviam descoberto suas fantasias, Otília pediu que as roupas de Irmã Josefa, Japi e Dr. Veloso fossem queimadas. Ela insistiu que fora uma médium de verdade até 1964, mas as filhas do cirurgião não acreditaram: saíram pela casa cantando "Otília Diogo, enganou um bobo!".


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