Nerdices

Gamer é banido de competições após apoiar protestos em Hong Kong

Activision Blizzard diz que Chung violou regra que proíbe atos que 'prejudiquem a imagem da empresa'

Visitante da feira Gamescom joga "World of Warcraft: Warlords of Draenor", game da Blizzard Entertainment
Visitante da feira Gamescom joga "World of Warcraft: Warlords of Draenor", game da Blizzard Entertainment - Ina Fassbender/Reuters
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Daniel Victor

A Activision Blizzard se tornou a mais recente companhia americana a se perder entre os interesses de negócios com a China e os valores de seus principais clientes, depois de suspender um jogador de eSports que expressou apoio aos protestos de Hong Kong durante uma transmissão ao vivo.

A decisão de suspender das competições Chung Ng Wai, jogador profissional de Hearthstone em Hong Kong, por um ano, e de forçá-lo a restituir um total estimado de US$ 10 mil (R$ 40.948) em premiações, causou reações negativas nos Estados Unidos, de forma semelhante à crise de relações públicas que a NBA enfrentou esta semana.

Jogadores postaram mensagens raivosas na mídia social e em fóruns, enquanto políticos disseram que a medida representa mais um sinal perturbador da repressão severa praticada pela China.

"Reconheçam o que está acontecendo aqui. Pessoas que não vivem na China devem ou praticar a autocensura ou encarar demissão e suspensões", escreveu o senador Marco Rubio, republicano da Flórida, no Twitter. "A China está usando o acesso ao seu mercado como alavanca para esmagar a liberdade de expressão em todo o mundo".

O senador Ron Wyden, democrata do Oregon, expressou o mesmo sentimento, afirmando no Twitter que a Activision Blizzard havia demonstrado "que está disposta a se humilhar para agradar o Partido Comunista da China".

"Nenhuma companhia americana censuraria apelos por liberdade a fim de faturar mais algum dinheiro", ele disse.

A Activision Blizzard, que criou alguns dos jogos mais populares dos esportes eletrônicos, entre os quais "Overwatch" e "World of Warcraft", disse que Chung havia violado uma regra que proíbe jogadores de qualquer ato que "prejudique sua reputação pública, ofenda partes ou grupos do público ou danifique" a imagem da empresa "de qualquer outra maneira".

Em uma entrevista depois de uma partida de "Hearthstone", Chung, conhecido como Blitzchung, usava uma máscara contra gás e visores de tiro –o equipamento de proteção usado frequentemente pelos manifestantes durante protestos em Hong Kong.

Chung gritou, em mandarim, "libertem Hong Kong, a revolução da nossa era", um slogan popular entre os manifestantes. Na terça-feira (8), em um chat com torcedores no Twitch, um serviço de streaming ao vivo, ele não expressou arrependimento.

"Hoje, o que perdi no Hearthstone foram quatro anos de tempo", ele disse, falando sobre o período que dedicou ao jogo. "Mas se Hong Kong perder, será uma questão para toda a vida".

No segundo trimestre de 2019, a Activision Blizzard faturou US$ 173 milhões (cerca de R$ 708,4 milhões) na região Ásia-Pacífico, cerca de 12% de sua receita mundial de US$ 1,4 bilhão (cerca de R$ 5,73 bilhões).

Diversas empresas pediram desculpas recentemente depois de ofender as sensibilidades chinesas, ou recorreram à censura preventiva a fim de garantir que não percam acesso ao lucrativo mercado chinês.

Esta semana, a NBA teve de caminhar pela corda bamba depois que Daryl Morey, diretor geral do Houston Rockets, tuitou em apoio aos protestos em Hong Kong. Uma declaração inicial da NBA foi vista por muitos como hesitante em seu apoio a Morey, o que causou acusações de que a liga está mais preocupada com seus interesses de negócios chineses do que com o apoio à liberdade de expressão.

Na semana passada, episódios do desenho animado "South Park" zombaram dos censores chineses e das empresas americanas que comprometem seus valores para manter acesso ao mercado chinês, o que levou a série a ser retirada das plataformas online chinesas.

Ainda não está claro que impacto a reação negativa causada pela atitude da Blizzard pode ter, mas muito dos usuários reagiram vigorosamente. Discussões em fóruns do Reddit dedicados a jogos da Blizzard se transformaram em focos de crítica, e apelos por um boicote à empresa ou cancelamento de assinaturas não demoraram a se espalhar pelo Twitter.

Uma pessoa que cancelou sua conta do "World of Warcraft" foi Mark Kern, líder da equipe que criou o jogo.
Em entrevista, Kern disse que a China era uma fonte importante de receita para o setor de games, e que ele sabia que estava "fechando muitas portas" profissionalmente ao se pronunciar no Twitter. Mas Kern, que morou em Hong Kong na adolescência, disse que as ações da empresa representavam "uma deterioração dos valores da Blizzard que partiu meu coração".

"Uma coisa é dizer que os games não têm lugar para a política, e outra é tomar medidas duras e punitivas para apaziguar um governo cujos valores são contrários aos que a Blizzard tradicionalmente defendia", ele disse.

Patrick Chow, que trabalha em um estádio de eSports em Hong Kong, disse que costumava jogar muito "Hearthstone", mas que deixaria imediatamente de jogar títulos da Blizzard. Ele disse que Chung tinha direito de usar sua influência para ajudar o povo de Hong Kong, e que a empresa não deveria ter "restringido a liberdade de expressão do jogador". "Isso afeta negativamente minha impressão sobre a Blizzard", ele disse.

The New York Times

Com tradução de Paulo Migliacci

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