Factoides

HUMOR: A salvação pela chanchada

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Alô, comunidade do "F5". Tudo bem com vocês? Comportaram-se direitinho na minha ausência? Como alguns sabem, fui bater uma bolinha no caderno "Eleições" da Folha. Voltei às redes sociais, no pós-votação, com a mesma alegria do faxineiro obrigado a limpar a cena do massacre da serra elétrica –sangue na parede, vísceras até no lustre, corações rasgados e cabeças perdidas aqui e ali. Haja sapólio, esfregão e balde d'água: internet, I love you, mas você acaba com as minhas unhas.

Como ainda não consegui virar o disco das eleições (e acabo de denunciar minha idade –vocês, XÓVENS que nasceram anteontem, pós-CD, pós-MP3, fazem ideia do que seja "virar o disco"? Ah, tô vendo uns hipsters compradores de disco de vinil levantando a mão. OK, vocês sabem), compartilho aqui pensamentos soltos sobre elas. O modo Garoto Enxaqueca ligado é meu jeitinho, mas também é culpa da festa da democracia, a única cuja ressaca pode durar até quatro anos.

 

Na sua origem grega, "entusiasmo" significa "o estado de exaltação do espírito de quem recebe de um deus o dom da profecia". Palavras como "gênio" já foram levadas à última desmoralização –hoje, qualquer orangotango subnutrido que escreve coluna em jornal é gênio–, mas no caso de "entusiasmo" foi o sentimento que se banalizou. Pessoas defendendo seus candidatos em campanha se parecem demais comigo quando cheguei em casa todo feliz por ter recebido o santinho de um político, o que me rendeu merecidíssimo esculacho da minha mãe. Só que eu tinha oito anos de idade, diabos.

Entendo, por exemplo, não gostar de Aécio, da gestão dele em Minas, do que o PSDB representa; entendo também a defesa das políticas sociais do governo federal. O que escapa à minha compreensão é ENTUSIASMO –no nível do berro, da briga, eventualmente da agressão física– com uma coisa medíocre como o governo de Dilma (ou petistas que acreditam sinceramente que seu partido é "contra o que está aí" depois de 12 anos, que serão 16, no poder. Vira uma coisa "Partido Revolucionário Institucional", esse conceito da política mexicana que até Octavio Paz, que odiava o PRI, achava genial).

Vale pro outro lado também: na verdade, não entendo entusiasmo com político, ponto. Longe de mim embarcar num discurso regressivo do tipo "não existe político honesto", que costuma ser prelúdio à defesa de alguma solução política, ou "salvação da pátria", pior que o Congresso. Mas, em geral, voto é no máximo um "vá lá" –uma tentativa sincera, ainda que nem sempre bem-sucedida, de optar pelo canalha menos nocivo.

Crédito: Gustavo Roth/Folhapress Quando eu vim pra internet depois da eleição, 'tava tudo assim, cara. Cê num sabe o trabalho que deu pra limpar
Quando eu vim pra internet depois da eleição, 'tava tudo assim, cara. Cê num sabe o trabalho que deu pra limpar

Orgulhozinho –meio besta, admito– de ter escolhido bem minhas timelines nas redes sociais; nelas não rolou essa pororoca de chorume de gente xingando nordestino (aliás, abençoados sejam os botões "unfollow" do Facebook e "mute" do Twitter). Naquele habitual exercício de enxergar o copo meio cheio, quase escrevi que, pelo menos, partidos e candidatos costumam ser mais civilizados que os militantes imbecis dos dois lados. Depois percebi que, na verdade, eles se servem politicamente desse ódio útil. É como a fachada respeitável de um negócio da Máfia. Por trás, você leva tiro e ainda fica sem o cannoli.

 

Em discurso de 1969, Richard Nixon (que se mandaria da Casa Branca cinco anos depois, graças ao escândalo de Watergate) falou na "maioria silenciosa" dos EUA: aquela turma que não aderiu à contracultura, não protestou contra a Guerra do Vietnã e basicamente o elegeu em 1968. Aqui no Brasil, depois daquele barulhão todo de junho de 2013, a maioria foi às urnas silenciosamente e votou para que tudo continuasse como está –no Brasil, em São Paulo e em outros lugares.

Moral da história: a revolução não foi instagramizada. Mas sempre há aquele filtro sépia pra deixar as lembranças bonitonas.

 

Se há algo que me deixa ao menos um pouquinho otimista contra autoritarismos é nossa maravilhosa capacidade de autoesculhambação, resumida naquela frase de "O Bandido da Luz Vermelha" ("quando a gente não pode fazer nada, a gente avacalha. Avacalha e se esculhamba"). Arrisco dizer que é o melhor do brasileiro. Líderes, autoridades, instituições, partidos, a história oficial, os heróis da pátria, a ordem e o progresso existem para ser zoados –CONVIDAM ao deboche, já que tudo aqui vira, ao menos potencialmente, enredo de chanchada. Por um lado, isso resulta num "tá ruim, mas tá bom" eterno; por outro, porém, evita que soframos coisas ainda piores. Em verdade vos digo: só a chanchada nos salva. Amém.


RUY GOIABA vai hibernar na próxima semana e volta na segunda semana de novembro. Depois ele conta se aquele negócio de "emagreça dormindo: pergunte-me como" funciona mesmo

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