HUMOR: Vocês conseguiram, seus malditos! Não vai ter Copa
Vou confessar um troço pra vocês. É difícil. Corro o risco de ser discriminado e sofrer preconceito, mas cedo ou tarde vocês iam acabar descobrindo. Eu odeio futebol. Odeio. Acho um tédio. Assistir a um bando de homens correndo atrás de uma bola sempre me pareceu uma completa falta de noção.
Quando eu era criança, me lembro do meu pai e do meu irmão torcendo na frente da TV, enquanto eu pensava "Cazzo! Quando é que começa um filme legal de ficção científica?!"
Nunca entendi como é que alguém consegue se entusiasmar e, pior ainda, brigar por causa disso. "Meu Coringão é melhor do que o seu Palmeiras. Vou te transformar em patê de porco! Aahhh!"
Não... fala sério!
Isso me parece tão cretino quanto o Gronk sair na mão com o Vrunk porque o mamute que ele desenhou na caverna é anatomicamente incorreto.
Espere.
Retiro o que disse.
Eu compreendo melhor o Gronk e o Vrunk, porque a disputa envolve uma discussão intelectual. Eu entendo isso. É como brigar pra saber quem é o melhor capitão da Enterprise (nem comece, é o Kirk) ou a melhor bunda do pop (é a Rihanna, caso encerrado). Isso eu entendo.
Mas estou me dispersando. O que queria dizer é que eu, ao contrário de 99% dos brasileiros, sou incapaz de defender o esquema 4-3-3 em detrimento do 3-4-3. Pra ser bem sincero, não tenho a mínima ideia do que acabei de escrever.
Só que apesar de não ligar a mínima pro que acontece dentro do campo, sempre achei a Copa do Mundo legal. Na Copa, o Gronk e o Vrunk esquecem suas divergências e saem abraçados pela rua. Todo mundo enche a cara, se veste de verde-amarelo e xinga o adversário comum: o técnico da seleção, que é sempre uma besta, mesmo quando o time ganha. É bacana.
Mas este ano não vai ter Copa. Vai acontecer aqui, bem na nossa porta, mas não vai ter Copa. E isso é mais do que uma palavra de ordem no Twitter e Facebook. É que foderam com tudo mesmo.
Ninguém está nem aí se a seleção vai vencer ou perder. Não tem bandeiras nas janelas, não tem ruas pintadas, não tem adesivos nos carros, não tem clima, não tem nada. Tá tudo muito 'down'. Tá tudo muito 'deprê'. Tá tudo um saco. Tá tudo um porre.
A Copa deveria coroar o protagonismo econômico do país e blábláblá, como já explicaram dezenas de analistas políticos. Deu tudo errado. Grande parte da responsabilidade é do governo incapaz e sem liderança, é claro.
Mas não é só isso.
Tem também a autosabotagem que é tão brasileira quanto a feijoada e a caipirinha. Tem principalmente o nosso culto ao fracasso. A gente gosta de dar errado, não é mesmo? É a nossa vocação, o nosso destino, a nossa ambição. Fracassar. Fracassar horrivelmente. E depois jogar a culpa em alguém. Antes era o FMI, agora é da FIFA e amanhã a gente arruma outra sigla.
Isso vai além de ideologia, além de esquerda e direita.
Um direitista é um cara que se julga guiado por uma força superior e, por isso, decide impor suas ideias à força.
Um esquerdista... bem, é exatamente a mesma coisa.
E os dois estão juntinhos nesse funk pró-fracasso.
Isso tudo me lembra uma sequência de "O Planeta dos Macacos". O original de 1968, claro (nem se discute). É a cena final, quando o Charlton Heston entende finalmente que o mundo foi destruído pela estupidez dos próprios homens. A Estátua da Liberdade está aos pedaços e o planeta foi dominado por chimpanzés e orangotangos. Então o Charlton Heston se joga de joelhos no chão e diz: "Seus malditos! Vocês conseguiram, seus malditos!"
EDSON ARAN é autor de seis livros. O mais recente, "O amor é outra coisa" (Jardim dos Livros), fala sobre o sentido da vida e tem mais de duzentos pensamentos cretinos. Também é roteirista. Seu site é www.sitedoaran.com.br
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