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Estilo
Descrição de chapéu The New York Times tiktok

Jovens usam TikTok para ter conversa íntima e divertida sobre moda

Conheça quem usa aplicativo para explorar e debater sobre roupas

Etienne Bolduc enquanto filma um vídeo para o TikTok Fankie Perez/The New York Times

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The New York Times

Por algum tempo, dos meses finais do ano passado aos primeiros deste ano, as avaliações de estilo mais ferinas que era possível encontrar online tomavam a forma do rosto muito redondo, muito calmo e muito imperturbável de Mark Boutilier.

No TikTok, ele usava a função “duet” do app, que permite postar reações ao lado do vídeo de outra pessoa, para desmantelar rapidamente os crimes contra a moda, mantendo uma expressão inalterável enquanto aspirantes a influenciadores ostentam looks amadorísticos ou exibem compras absurdas de produtos Supreme.

Em um app que muitas vezes premia a micagem, as expressões inexpressivas de Boutilier se tornaram uma forma sagaz de correção de curso.

Os vídeos plácidos e espertos que ele posta ajudaram a dar forma ao discurso sobre moda que está emergindo entre os homens jovens no TikTok e que começa a ir além de fotos posadas com cuidado para demonstrar boa forma e da sufocação por marcas que caracteriza o Instagram, e ingressar em território mais discursivo. O TikTok, rápido e não linear, é feito para uma conversação sobre moda que toma a forma de uma cornucópia de interjeições, duelos de humor e palestras feitas de improviso.

Boutilier é um dos jovens, em sua maioria com idade de pouco mais de 20 anos, que usam os recursos e a estrutura de meme que caracterizam o app a fim de criar uma conversação íntima, generosa, ligeiramente brincalhona e constantemente mutável sobre moda.

Os vídeos deles, que tratam de filosofia da vestimenta, registro histórico, ironia distanciada e instrução prática, juntos constituem uma versão interativa, reconfortantemente informal e completamente moderna de crítica de moda.

O mais estudioso e provocativo proponente dessa nova abordagem é Etienne Bolduc (@thedigitalcowboy), 27, arquivista e historiador amador da moda, de Montreal. A especialidade de Bolduc são estilistas japoneses —Yohji Yamamoto, Issey Mikaye, Rei Kawakubo, Naoki Takizawa— e seus vídeos são uma mistura de documentação histórica, críticas minuciosas a estilos do passado e exibição descarada de guarda-roupa.

Bolduc, que também opera uma sofisticada loja online e plataforma de pesquisa de roupas de grife vintage chamada My Clothing Archive, é um verdadeiro dândi, com talento notável para proporção e silhueta.

Ele descreve sua abordagem quanto à vestimenta como “hiper-realista”, mas aponta que “meu foco está mais na importância cultural das roupas do que em seu caimento. A maneira pela qual me visto tem a ver com usar artefatos culturais, símbolos culturais”.

No TikTok, ele é um advogado provocante e zeloso da precisão, muitas vezes promovendo duetos de vídeos para rebater falsas informações, e oferecendo contexto mais amplo quanto às roupas em destaque.

“O que importa não são só as roupas”, disse Bolduc, que montou uma vasta biblioteca de livros e revistas japoneses e aprendeu japonês sozinho o suficiente para traduzi-los. “Também quero promover conexões com tudo mais: música, fotografia, design”.

Bolduc é o radical livre da moda no TikTok. Em contraste, Joaquin Martinez (@fashion.elitist), 23, é seu filósofo residente da silhueta, produzindo múltiplas séries de vídeos sobre como peças de roupa se “conectam” ou “desconectam” em looks, que estilos de roupa complementam melhor determinadas formas de corpo e sobre as maneiras mais elegantes de usar cores. (Martinez, que vive em Los Angeles, em geral se veste todo de preto, em roupas que o envolvem e fluem.)

“Quando você pratica uma técnica por tanto tempo, ela se torna tão natural que você termina por esquecer como chegou lá, e não sabe como explicá-la aos demais”, disse Martinez. “Eu costumo me exceder na análise, em muitos casos, mas acho que é dessa maneira que ajudo os outros. Alguém precisa desenvolver a terminologia e a explicação como um professor de matemática faz”, ele disse.

Joaquin Martinez, no TikTok, filma um vídeo em casa em Los Angeles - NYT

Já a função de satirista da situação cabe a Boutilier (@mark_boutilier), 23. Nesse ecossistema, ele se tornou uma espécie de meme humano, quer seja por seus vídeos sequíssimos de reação quer por estender o dedo no ar a fim de contestar um título que ele está a ponto de subverter –uma inversão do espírito de entusiástica adesão do TikTok. Ou pelos vídeos que ele faz mostrando suas compras em lojas de roupas de baixo preço peculiarmente horrorosas.

Como observador impassível dessa grande corrente de exagero e tendências impensadas, Boutilier, que vive perto de Atlanta, muitas vezes se via percebido como antagonista em seus primeiros vídeos de reação.

“Houve muitas ocasiões em que fiz um vídeo e vi o original ser removido duas horas depois”, ele disse. “Acho que sempre fui difícil de interpretar –as pessoas não sabem se estou brincando ou não”.

O TikTok é uma plataforma insaciável e existe muito conteúdo de moda masculina, boa parte do qual bastante primário: tutoriais de estilo, recomendações de produtos, listas em vídeo e quantidades verdadeiramente infinitas de fotos que exibem músculos, vídeos que exibem músculos ou vídeos que exibem fotos de músculos. Há modelos estabelecidos e modelos como Wisdom Kaye (@wisdm8), que começaram suas carreiras por meio de vídeos no TikTok.

Esse nicho de criadores compartilha de interesses e de uma linguagem próprios, no entanto. Eles zombam uns dos outros em tom amistoso, satirizando os traços mais conhecidos dos vídeos dos colegas. Reviram os olhos em uníssono diante de certos modelos, como os tênis da Comme des Garçons decorados por coraçõezinhos. (“Coração + sapato = ruim”). Debatem a ética das réplicas de tênis ou se é admissível usar um casaco ou paletó de qualquer outro jeito que não aberto.

Às vezes, encontram uma peça qualquer que passou despercebida e a consagram: jeans Wrangler Wrancher; calças de cozinheiro Cookman; uma sacola de tecido vazia. Às vezes, todo um grupo de rapazes recorre ao recurso “duet” do app para experimentar o mesmo truque de moda –às vezes sinceramente (como acrescentar uma sacola de tecido a um look), às vezes como piada (experimentando uma camiseta sem mangas acompanhada por calças simples).

Muitos desses criadores construíram comunidades fora do app além disso. Martinez criou um chat coletivo no Instagram que agora inclui Boutilier, Bolduc e cerca de uma dúzia de outros criadores de vídeos de moda no TikTok.

O grupo também tem um podcast, Pair of Kings, no qual muitas das principais figuras da cena são destaque. Martinez recentemente postou um vídeo que o mostra colando uma etiqueta de Boutilier em uma loja da Fairfax Avenue, Los Angeles, em um gesto de boa vontade que cruzou o país.

É uma microcena ainda modesta e que não está no radar da maioria das grandes empresas de moda. Só nas últimas semanas alguns desses criadores de vídeos começaram a receber produtos gratuitos de marcas, um sinal de prestígio como influenciador.

Mas o TikTok continua a ser visto em geral como mídia para adolescentes e muitas empresas estabelecidas, por não compreenderem bem o ritmo e as brincadeiras internas do app, enfrentam dificuldades para definir como se apresentar lá. (A tosca conta de TikTok da Ssense é motivo frequente de zombaria entre os adeptos da moda no app.)

E muitos dos criadores aspiram a algo mais nobre e menos fútil do que simplesmente conquistar atenção e grande número de seguidores.

Mais que o Twitter, que primariamente fomenta discussões, o Instagram, que é maquiado a ponto de eliminar qualquer sentimento real ou o Snapchat, que funciona principalmente para comunicação privada, o TikTok é a mídia social mais apropriada para a troca de ideias.

E por conta da página For You, cujo conteúdo é ditado por algoritmos, manter uma experiência dirigida em termos de atração de espectadores é praticamente impossível no app, o que significa que os criadores do TikTok costumam trabalhar mais com o improviso. O resultado é uma conversação sobre moda repleta de reviravoltas que prospera com as rupturas e as resoluções que surgem.

“Quando você faz coisas para o Instagram, cada pequeno detalhe passa por sintonia fina, de algum modo”, disse Karsten Kroening (@meme_saint_laurent), 20, universitário de Seattle que é curador de uma conta de memes de moda no Instagram há cinco anos. “No TikTok é muito mais divertido”.

Ele acrescentou que, crucialmente no TikTok, “pode-se ver o rosto de alguém, estabelecer um rosto, um tom, ver como a pessoa fala mesmo que ela esteja corrigindo o que você tenha dito, e assim é possível ter uma conversação”.

Isso fica claro na rotina que surgiu entre os jovens campeões da moda masculina no TikTok, quando um deles posta um vídeo contendo algum erro e outro aparece para comentar.

No TikTok, Michael Steinberg (@opaleyes369), que acaba de concluir a primeira série do segundo grau em Weston, Massachusetts, e prefere roupas inspiradas pela natureza, é sempre positivo e não se cansa de indicar aos seus espectadores fontes inesperadas de efervescência estética. Mas em mais de uma ocasião, as afirmações dele foram contestadas por colegas.

“As pessoas que me corrigiram não foram brutais”, disse Steinberg. Mesmo que ele seja mais jovem que alguns dos colegas, ele é recebido positivamente.

Iolo Lewis Edwards (@iolsi1), diretor da High Fashion Talk, uma comunidade de moda multiplataformas e agora revista, disse que a estrutura interativa do TikTok é ótima para esse tipo de comentário diagonal, positivo ou negativo.

“As funções do app realmente encorajam os usuários a fazer isso”, ele disse. “As pessoas estão em busca de razões para interferir. A temporada está sempre aberta, para todos, e você sabe o que está acontecendo”.

Mas o alto potencial de colapso de contexto, que envolve o encaminhamento de vídeos para pessoas que não fazem parte de sua audiência pretendida, pode causar timidez entre os criadores.
“Isso mata a nuança, assassina a nuança”, disse Steinberg. Esse grupo de criadores preocupados com detalhes está em seu pico quando os integrantes se comunicam entre eles, enquanto os generalistas da moda tendem a ser aceitos de maneira mais ampla.

Por esse motivo, entre outros, Boutilier deixou de lado seus vídeos de reação impassíveis. “Chega o momento em que você tem de dizer que, agora que ocupa aquele lugar, um espaço onde eu tenho, acho que posso dizer, influência, não quero ser um raio de energia negativa”, ele disse.

E no exato momento em que essa microcena de moda está encontrando seu ritmo, ela vem sendo complementada por um quadro de homens jovens que usam o TikTok para mostrar como fazem suas roupas, criando coisas que não existiam como uma forma de criticar aquilo que existe.

Desses vídeos de “faça você mesmo”, os mais acessíveis e calmantes são os de Julian Carter (@juulian.c), 24, engenheiro em Huntsville, Alabama, que gosta de parafernália militar e roupas hiperfuncionais.

Diferentemente dos criadores que mostram suas criações no final dos vídeos, Carter prefere começar mostrando o produto final para capturar a atenção dos espectadores. “Por que eu veria um vídeo sem saber qual é o produto final”?, ele diz.

Os vídeos dele são nítidos e convincentes e fazem com que alterações radicais de roupas –usar duas calças para produzir um novo par ou cortar diversos centímetros de uma jaqueta jeans– pareçam simples e óbvias. Mesmo coisas que ele faz evidentemente como brincadeira, como costurar um par de calças com 2,25 metros de cintura, são mostrados sem gracinhas.

“Quando comecei, ter a aprovação de Mark era importante”, disse Carter. “As pessoas comentavam meus vídeos e encaminhavam a Mark” --os dois agora são amigos. E Carter se tornou um centro de gravidade e quando mostra novas técnicas “pessoas me enviam vídeos que fizeram, por mensagem direta”, ele disse. Os vídeos de Carter são ao mesmo tempo aulas e convites, reações que se tornam propostas.

Tradução de Paulo Migliacci

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