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Body positive: Marcas de lingerie francesas se ajustam em prol da representatividade e inclusão

Maison Louve é uma das novas marcas francesas adeptas ao movimento body positive
Maison Louve é uma das novas marcas francesas adeptas ao movimento body positive - Maison Louve/Divulgação
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Descrição de chapéu RFI
Daniella Franco

A popularização do neofeminismo no mundo inteiro, a expansão do movimento #MeToo em vários países e o engajamento feminino na tendência body positive têm reflexos importantes no mundo da moda. As mulheres conquistam cada vez mais voz e espaço e muitas marcas se veem obrigadas a se adaptar às demandas para não perder ou conquistar a clientela.

No universo das lingeries, não apenas o produto ganha novos designs, mas a estratégia de marketing e a publicidade também começa a se transformar em prol da representatividade e da inclusão. “Tão natural quanto minha pele”, diz uma das peças publicitárias da marca Maison Lejaby, mostrando o torso de uma modelo quase sem maquiagem ou penteado sofisticado. Ela usa um sutiã cor da pele, sem armadura, sem quase nenhum sex appeal.

Há alguns anos, peças publicitárias como essas eram raras na França, onde as hipersexualizadas campanhas de marketing de marcas como Aubade causavam escândalo. Atualmente, a nova tendência vem sendo adotada pela maioria das grifes de lingerie, que viram no movimento body positive um novo nicho de mercado.

Assim, não apenas o conforto e a praticidade das peças são repensadas, bem como a democratização da lingerie à variada morfologia do corpo feminino. A diretora de marketing do grupo francês Eurovet, Cécile Vivier-Guérin, que organiza todos os anos o Salão Internacional da Lingerie em Paris, afirma que a tendência começou a ser adotada pelas grandes marcas francesas recentemente.

O fenômeno também resultou na criação de grifes que só trabalham dentro da filosofia body positive. “É verdade que, para o consumidor, a repercussão é maior quando as marcas tradicionais adotam uma ideia diferente. Mas todos os grandes movimentos dentro da moda são impulsionados pelas novas marcas antes de serem seguidos pelas tradicionais. Com o universo da lingerie, não é diferente”, explica.

O fato de que os próprios novos criadores sejam engajados em causas e habitués das redes sociais, também facilita a necessidade de adaptação a novos nichos, reitera Vivier-Guérin. "Esses ‘digital natives’ criam as novas marcas dentro de suas próprias comunidades e o público dessas comunidades vai impulsionar os movimentos. Além disso, os jovens criadores produzem em pequenas quantidades, permitindo o foco em uma categoria de produto diferenciada ou em algo mais engajado dentro da sociedade”, avalia a diretora de marketing.

É o caso de Lou-Salomé Carrillo, fundadora da marca francesa Maison Louve, “com linhas refinadas e audaciosas, sem bojos ou armação, que valorizam as diferentes facetas da feminilidade”. À RFI, a jovem criadora contou que foi impulsionada pela experiência que tinha no mercado do luxo sob medida e na relação direta que levava com as clientes, mas também em suas experiências pessoais.

“A Maison Louve foi uma verdadeira pesquisa sobre o universo feminino. Eu precisava descobrir o que era a essência da mulher, o que é ser uma mulher hoje, porque naquele momento da minha vida eu me sentia um fracasso como mulher. Então precisei passar por esse processo criativo para me reapropriar e compreender os códigos da feminilidade”, diz.

Por isso, Lou-Salomé afirma que a fundação de Maison Louve vai muito além da concepção de uma nova lingerie, mas de um universo onde as mulheres possam se reencontrar com seus próprios corpos. “O que proponho é uma espécie de sinergia. Através das peças, tento dialogar com as mulheres que se identificam na estética que proponho. Meu objetivo é tentar responder da forma mais justa às suas vontades e necessidades”, completa.

A marca não é exceção na França. Ela faz parte de um grupo de jovens criadores franceses de lingerie que apostam na tendência body positive e no marketing via redes sociais. A prioridade dessas novas marcas é valorizar as diferentes morfologias e cores de pele, desconstruindo a imposição de um único modelo de corpo feminino.

COMO CONSUMIDORAS ENXERGAM A NOVA TENDÊNCIA

O público-alvo dessa nova tendência são jovens consumidoras entre 20 e 40 anos, as mais engajadas ou sensibilizadas pelos novos movimentos feministas. No entanto, para algumas mulheres entrevistadas pela RFI, a apropriação do body positive pela moda ainda é vista com desconfiança.

A francesa Jeanne, 21, conta que desistiu que usar sutiã no dia a dia por não encontrar um que se adapte ao que ela deseja. “A maior parte dos modelos são muito decotados ou têm bojos exagerados. Na verdade, as marcas pensam na estética e não no conforto”, afirma.

Sobre a tendência do body positive adotada pelas grifes de lingerie, a jovem acredita que não passa de uma moda. “Não vejo que as novas marcas fazem isso pelo bem das consumidoras, mas para lucrar sobre uma nova tendência. Espero que um dia se deem conta de como isso é verdadeiramente importante para as mulheres”, ressalta.

Para ela, uma lingerie ideal deve ser fabricada de forma ecorresponsável, com produtos recicláveis e que leve em consideração as possíveis assimetrias do corpo. “Sutiãs sem preenchimento ou armação, com vários tipos de decotes – ou até mesmo sem decote. Seria realmente genial uma marca que fabrique sutiãs para seios assimétricos. Por exemplo, que pudéssemos escolher uma quantidade de preenchimento diferente para cada seio”, sugere.

Para Camila, brasileira radicada na França, o que mais conta na hora de comprar lingerie é conforto e durabilidade. Nos últimos tempos ela também vem observando marcas ecorresponsáveis na internet.

“Principalmente para sutiã, que é algo que dura anos para mim, decidi que posso investir em algo que seja fabricado fora do sistema escravocrata do fast fashion. Quero conforto, claro, mas o que mais conta nessa decisão é justiça. Ainda não comprei nada porque comprar sutiã online é algo que ainda não consegui fazer. Sutiã é algo que eu preciso experimentar”, afirma.

A brasileira apoia a tendência body positive para as lingeries, mas ainda acredita que as marcas não levam o conforto suficientemente em consideração. Já sobre as grifes tradicionais de calcinhas e sutiãs, Camila, lamenta ainda hoje a falta de foco na representatividade e inclusão.

“Continuam investindo apenas numa das partes do mercado: a parte daquela lingerie que se usa apenas de vez em quando. E, além disso, investindo em um público muito restrito, que tem um corpo que se enquadra no modelo. Provavelmente esses diretores de marketing são homens burros que acham que sabem o que as mulheres querem e não sabem fazer dinheiro. Não tenho problema nenhum com ligerie sexy. Acho que ela tem seu momento, mas poderia ser um pouquinho mais confortável e não custar tão caro”, salienta.

MERCADO PRECISA SE ADAPTAR “A TODOS OS TIPOS DE MULHERES”

Apesar de algumas marcas francesas tradicionais, como a Aubade, continuarem apostando no apelo sexy-estético da lingerie, o mercado parece pouco a pouco minguar para essa tendência. É o caso da americana Victoria’s Secret, que protagoniza uma queda livre desde 2018.

Mas a baixa na venda nas ações e o fechamento de lojas em todo o mundo também têm outros motivos: desde denúncias de assédio sexual envolvendo o diretor de marketing Ed Razek, passando pela falta de diversidade das modelos e a resistência em se adaptar às mudanças do mercado –onde o conceito de beleza vem se abrindo a novos tipos de corpos, cores e gêneros.

Para a diretora de marketing do grupo francês Eurovet, Cécile Vivier-Guérin, as marcas que desejarem se mostrar “críveis” aos olhos dos consumidores precisarão de adaptar. “Estamos parando de mostrar modelos hipersexualizadas, maquiadas, de salto alto. Ninguém é assim na vida real. O foco agora é mostrar as mulheres, nem sempre exibindo diretamente o produto, mas sugerindo que ele pode ser usado por todos os tipos de corpo”, diz.

Vivier-Guérin acredita que o essencial hoje na moda é representar a mulher “como ela é”. “As marcas de lingerie se esforçam para mostrar ao público feminino que o produto é feito para elas e não para os homens. No entanto, o movimento pró inclusão nesse setor não aponta apenas para o confortável e o básico, dizendo adeus ao que é sexy. O importante hoje é trabalhar e conceber produtos, sejam eles sexy ou não, transparentes ou não, de algodão ou não, mas para todas as morfologias possíveis, para todos os tipos de mulher”, conclui.

RFI
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