Estilo

A francesa que assumiu os cabelos brancos e virou ícone contra a 'tirania da tinta'

Sophie Fontanel parou de pintar os cabelos aos 53 anos e fez moda

Fontanel
'Os cabelos brancos são o fim da mentira. É uma busca da verdade em todos os aspectos da vida', diz Fontanel - Arquivo Pessoal
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Descrição de chapéu BBC News Brasil
Daniela Fernandes
Paris

Quando decidiu, aos 53 anos, assumir os cabelos brancos e parar de tingi-los, a escritora e jornalista francesa de moda Sophie Fontanel ouviu as mais variadas críticas. Para uma amiga, isso equivalia a parar de tomar banho. Outra achou que ela estava renunciando à sua feminidade e à vida amorosa. Mas Fontanel lançou uma tendência, inspirando inúmeras outras mulheres na França a darem o mesmo passo.

Hoje, se tornou mais comum ver mulheres a partir de 50 anos com cabelos totalmente brancos nas ruas de Paris. E até mais jovens, na faixa dos 40, com os primeiros fios grisalhos aparentes.

Fontanel, chamada pela imprensa francesa de "embaixadora dos cabelos brancos", quis pôr fim ao que ela chama de "tirania da tinta".

O processo de transformação —com "momentos ingratos", como ela diz, por conta do contraste de cor entre a raiz branca e o restante ainda com tintura preta— foi contado em seu livro "Une Apparition" ("Uma Aparição", em tradução literal).

Lançado na França no ano passado, "Une Apparition" relata ainda as reações suscitadas e as reflexões de Fontanel sobre o assunto. A obra já vendeu mais de 20 mil exemplares, segundo a editora Robert Laffont.

A jornalista também divulgou a transição de seus cabelos nas redes sociais.

Ela optou por não cortá-los porque queria mantê-los longos, o que deu um efeito "zebra". O número de seus seguidores no Instagram foi crescendo progressivamente e hoje totaliza 155 mil.

Em entrevista à BBC News Brasil, Fontanel conta que uma das razões para deixar de tingir os cabelos foi assumir sua idade e acabar com a "humilhação das raízes."

"Quando eu tinha um encontro amoroso e o homem colocava as mãos nos meus cabelos, eu tinha receio de que ele visse as raízes. Não aguentava mais esconder isso, era aberrante."

Ela diz que, aos 53 anos, quando ainda tingia os cabelos, era apenas uma mulher que tentava parecer mais jovem do que sua idade. "Hoje sou uma mulher de 55 anos em plena forma e radiante."

A metamorfose de Fontanel não foi apenas externa. Assumir seus cabelos brancos representou para ela "um renascimento", relatado em seu livro.

"Os cabelos brancos são o fim da mentira. É uma busca da verdade em todos os aspectos da vida. É uma nudez que obriga a ser si mesmo", afirma.

Ela diz ter descoberto um "poder de existência", ao passar a atrair olhares e elogios das pessoas depois que passou a ter os cabelos totalmente brancos.

"Agora, com os cabelos brancos, me acontecem várias coisas", diz ela, que foi convidada, no início do ano, para desfilar na semana de moda de alta-costura e se tornou, segundo o último ranking da revista Vanity Fair, a oitava mulher mais influente da França.

PRESSÃO SOCIAL

Fontanel diz que há uma pressão social que obriga as mulheres a tingirem os cabelos.

Como no Brasil, cabelos brancos femininos também são vistos por muitas pessoas na França como um sinal de desleixo e, claro, de velhice em um mundo onde a busca pela beleza está diretamente ligada à luta contra o envelhecimento.

"A beleza associada simplesmente à juventude é uma construção social", diz ela, que suscitou inúmeras reações, tanto positivas quanto negativas, quando parou de tingir os cabelos.

"As pessoas diziam que cabelos brancos envelhecem. Penso que a verdadeira questão é: 'onde está o problema de parecer mais velha?' Fiquei surpresa com a estupidez da sociedade. Achei que as mulheres já se sentiam mais à vontade com os cabelos brancos".

Havia algumas exceções a essa visão, como no caso da diretora-geral do Fundo Monetário Internacional (FMI), Christine Lagarde, considerada um símbolo de elegância e poder.

A cantora francesa Lio, ícone dos anos 80, provocou, há alguns anos, reações agressivas nas redes sociais ao aparecer grisalha na mídia.

"Por que as mulheres não querem envelhecer? Não consigo entender. Eu não tenho tanta vontade de ver em mim sinais de envelhecimento, mas os vejo e isso não é o mais importante", diz Fontanel.

"Não pensava que fosse algo tão tabu. Acabei entendendo que o tabu era eu reivindicar os cabelos brancos como um sinal de beleza. Não apenas para mim, mas em geral", afirma.

Segundo ela, a situação evoluiu e hoje há uma "verdadeira mutação" na sociedade francesa em relação aos cabelos brancos femininos.

"Há várias jovens que me dizem que não vão tingir os cabelos", diz Fontanel.

"As mulheres viram, na minha cabeça, que é bonito ter cabelos brancos", diz ela, acrescentando ser procurada e receber fotos de mulheres que optaram por fazer o mesmo.

Uma das mulheres que Fontanel inspirou foi a jornalista brasileira Letícia Constant, 65 anos, após décadas de "muita tinta" nos cabelos.

"Sempre me cuidei muito e a tintura nos cabelos fazia parte disso", diz Constant, que havia começado a pintá-los assim que os primeiros fios brancos surgiram e costumava brincar que "queria ser enterrada" com os cabelos tingidos.

"O livro da Fontanel foi uma revelação para mim, afirma a paulistana radicada em Lisboa, após décadas na França.

Ela já vinha pensando sobre o assunto após ficar a par do movimento "going grey" (ficando grisalha) entre atrizes e mulheres bem-sucedidas americanas.

"O livro me despertou uma vontade de ver meu rosto com os cabelos brancos", afirmou Constant à BBC News Brasil.

Constant conta ter ficado encantada com seus fios "bem prateados" e ter feito um corte "super moderno" para combinar com o novo visual.

"Assumi a beleza da idade. A idade é bela e podemos ser totalmente joviais com os cabelos prateados. Sou uma senhora e quero ser uma bela senhora", ressalta Constant.

"Eu me sinto muito bem e vejo que as pessoas me olham, principalmente as mulheres, que sorriem", diz.

OBSESSÃO FEMININA

Fontanel diz que sua decisão de parar de tingir os cabelos não se insere em um combate feminista.

"As feministas francesas viram isso como um ato feminista. Mas os homens não são obrigatoriamente contra os cabelos brancos, são as mulheres", afirma.

"Elas são obcecadas pela ideia de parecerem jovens, elas detestam a velhice e são cruéis com as outras mulheres. É importante que elas entendam que as mulheres também podem ser felizes ao envelhecer, como os homens."

Fontanel ressalta que nem todas as mulheres ficam bem de cabelos brancos. Segundo ela, isso deve ser vivido como uma sofisticação do visual.

"É preciso já ter uma certa preocupação com a aparência. Presto atenção como me visto, cuido da minha pele e tenho uma boa higiene de vida."

A cabelereira Delphine Courteille, que cuida dos cabelos de Fontanel e também de celebridades francesas, afirma que houve um aumento considerável da clientela que deseja ter cabelos brancos.

"É uma verdadeira tendência hoje", diz Courteille. "Mas não se deve fazer isso apenas para estar na moda. É preciso estar pronta e isso exige reflexão."

Para Constant, que ressalta ter parado de tingir os cabelos por razões pessoais e não pretende aconselhar outras mulheres a fazer o mesmo, o "movimento grisalho" se insere nas mudanças mundiais em relação ao empoderamento feminino.

Até mesmo jovens, inspiradas por celebridades do cinema e da música que se tornaram grisalhas, estão fazendo mechas brancas nos cabelos.

BBC News Brasil
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