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Tony Goes
Descrição de chapéu Pelé, o Edson

Pelé, o maior de todos, marcou a vida brasileira por mais de 60 anos e virou sinônimo do país

O Rei tinha defeitos como qualquer um, mas ostentava um lado divino em campo

Pelé
Pelé - Miguel Schincariol/AFP
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Eu tinha uns seis anos de idade, e cheguei naquele momento crucial para toda criança: precisava escolher para qual time de futebol eu iria torcer. O time do meu pai, o América do Rio de Janeiro, já era inexpressivo naquela época, então nem levei em consideração.

Na verdade, nem foi uma escolha difícil. Simplesmente perguntei: em qual time o Pelé joga? No Santos. Pronto, virei santista, e até hoje tenho uma simpatia especial pela equipe da Vila Belmiro.

É difícil explicar o tamanho de Pelé no imaginário brasileiro na década de 1960. Muito, mas muito maior mesmo, do que Neymar nos dias de hoje, ou qualquer influenciador com milhões de seguidores nas redes sociais. Talvez porque a mídia não fosse tão fragmentada: só existiam uns poucos canais de TV aberta, todos em preto-e-branco. Ou talvez porque Pelé fosse bom mesmo.

Seu único rival em fama e prestígio era Roberto Carlos. Não por acaso, os dois eram chamados de rei, e seus longos reinados chegaram a 2022. Com a morte de Pelé, um desses tronos fica vago, e podemos ter certeza: jamais será ocupado novamente.

Pelé era uma unanimidade nacional. Todo mundo o amava, mesmo os torcedores de outros times. As únicas críticas de que me lembro foram por causa de seu primeiro casamento, com Rosemeri dos Reis. Racistas reclamavam do desplante de um negro se casar com uma branca, mesmo ele tendo coberto o Brasil de glórias. Mas o comentário que mais me marcou veio de um intelectual, cujo nome nunca registrei: Pelé teria se casado com Rose para "purificar o sangue". Ele seria a vítima de um racismo introjetado.

O milésimo gol, a Copa de 1970, a primeira despedida do futebol, a volta triunfal pelo Cosmos, nos Estados Unidos: tudo o que Pelé fazia era grandioso, era épico, era histórico. Mesmo afastado dos campos, na década de 1980, ele seguia em evidência. Suas incursões no cinema e na música, seu namoro com Xuxa, suas opiniões políticas, tudo era notícia de primeira página.


Tive a honra de conhecê-lo pessoalmente em 1990, quando eu era redator numa agência de propaganda. Pelé estrelou um comercial escrito por mim, e eu fui acompanhar as filmagens. Não era nenhum filme para prêmio: apenas a promoção de uma marca de salgadinhos.

Mas eu me surpreendi com sua dificuldade em decorar um texto bobo, bem curtinho. O cara já havia feito centenas de comerciais em mais de 30 anos de carreira, e filmado até com John Huston. Como assim, não conseguia decorar míseras três linhas?

Surpresa: Pelé não era ator. Mesmo com tanta experiência em frente às câmeras, ele não tinha obrigação nenhuma de entregar uma interpretação magistral. E não é que o comercial acabou ficando bom?

Com o passar dos anos, fomos conhecendo outros ângulos de Pelé, nem todos lisonjeiros. A maneira como ele rejeitou sua filha Sandra Regina Machado, fruto de uma relação extraconjugal, chocou muita gente. Sandra morreu em 2006, sem que o pai a conhecesse pessoalmente.

Pois é, galera: o melhor jogador de futebol de todos os tempos também era um ser humano como qualquer um de nós, cheio de defeitos –alguns, gravíssimos, admita-se.

Mas era nos estádios que Pelé ostentava seu lado divino. Nenhum outro craque foi tão brilhante por tanto tempo. Nem Garrincha, nem Maradona, nem Messi. Pelé foi maior que todos.

Foi também uma marca, inclusive no sentido comercial. Virou sinônimo de Brasil. Qualquer brasileiro no exterior era recebido por um coro de "Pêle, Pêle, Pêle".

Sua morte é o desfecho amargo de um ano longuíssimo e interminável. A cultura brasileira perdeu tantos nomes importantes em 2022 – Elza Soares, Arnaldo Jabor, Milton Gonçalves, Jô Soares, Gal Costa, Rolando Boldrin, Isabel do Vôlei, Erasmo Carlos, Pedro Paulo Rangel – que perder Pelé, por um lado, é só mais uma porrada ao final de uma surra brutal. Mas que porrada, hein?

O futebol vive uma era de esplendor, com craques admiráveis brotando em todos os continentes, todas as nacionalidades. O francês Kylian Mbappé, quase bicampeão mundial com apenas 23 anos, emula o jovem Édson Arantes do Nascimento, na garra e na elegância. Mas, no fundo, sabemos que Pelé só tem um. E eu tive o privilégio de testemunhar boa parte de sua trajetória.

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Tony Goes

Tony Goes (1960-2024) nasceu no Rio de Janeiro, mas viveu em São Paulo desde pequeno. Escreveu para várias séries de humor e programas de variedades, além de alguns longas-metragens. Ele também atualizava diariamente o blog que levava seu nome: tonygoes.com.br.

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