Aviso
Este conteúdo é para maiores de 18 anos. Se tem menos de 18 anos, é inapropriado para você. Clique aqui para continuar.

Tony Goes
Descrição de chapéu

Filmes e séries sobre a Independência refletem o período em que foram feitos

Cada época conta a história de D. Pedro 1º conforme suas sensibilidades

Cauã Reymond nas filmagens de 'A Viagem de Pedro'
Cauã Reymond nas filmagens de 'A Viagem de Pedro' - Divulgação
  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

No dia 7 de setembro de 1972, eu fui ao cinema. Fui assistir a "Independência ou Morte", que estreou naquela data. Com quase 12 anos de idade e já ligado na cultura pop, eu queria ver o quanto antes o filme mais hypado do ano. Também sentia que era uma espécie de dever cívico.

Gostei. O elenco era composto por muitas caras que eu conhecia da TV, como Tarcísio Meira, Glória Menezes e Manuel de Nóbrega. O roteiro ágil me manteve entretido. Foi só muito tempo depois que eu aprendi que a imperatriz Leopoldina não era uma boboca como a que aparecia no filme de Carlos Coimbra, e sim uma mulher refinada e muito hábil politicamente.

Nunca mais vi "Independência ou Morte", e acho que nem quero ver. Hoje o longa é execrado como uma peça de propaganda da ditadura militar, e eu tenho medo de concordar com os críticos. Prefiro deixar intacta a memória daquela tarde agradável de 50 anos atrás.

De várias maneiras, "Independência ou Morte" era uma obra adequada para aquele momento. Até hoje o Brasil produz pouca dramaturgia baseada em sua própria história e, salvo engano, aquela foi a primeira vez em que D. Pedro 1º e os principais personagens do processo de independência foram retratados na tela. Faz até sentido que o filme tenha saído tão careta, tão ofici alesco.

De lá para cá, nosso primeiro imperador e seu entorno foram encarnados diversas vezes, por diversos atores, em obras cada vez mais ousadas. Dá até para dizer que, assim como a ficção-científica, os filmes e séries de TV sobre a independência não falam exatamente do período em que a história se passa, mas refletem as sensibilidades da época em que foram fei tos.

"Carlota Joaquina, Princesa do Brazil", lançado em 1985, é, de certa forma, o oposto de "Independência ou Morte". O filme de Carla Camuratti avacalha com a família real, passando longe do tom ufanista de seu ilustre antecessor. Foi um grande sucesso de bilheteria e marcou a retomada do cinema brasileiro.

A galhofa foi levada ao extremo na minissérie "O Quinto dos Infernos", exibida pela Globo em 2002. Todos os personagens eram caricaturais. Ao invés de venerar essas figuras históricas, ríamos delas.

O filme e a série foram produzidos durante a presidência de Fernando Henrique Cardoso. Um período em que o Brasil recuperava seu prumo, tendo se livrado da hiperinflação com o Plano Real. Nossa jovem democracia revisitava seu passado, jogando no lixo as patriotadas do regime autoritário.

D. Pedro 1º ressurgiu algumas vezes no audiovisual brasileiro desde então. Uma de suas aparições mais marcantes foi na novela "Novo Mundo", que ocupou a faixa das 18h da Globo em 2017. Mesmo mostrando-o como um homem impetuoso e infiel à esposa, essa versão do monarca era algo sanitizada, e adequada para um horário em que tantas crianças assistem à TV.

Neste bicentenário da independência, duas novas obras que tratam de D. Pedro 1º vieram a público. Nenhuma delas o endeusa, nem o vê como o protagonista único da libertação do Brasil de Portugal. As duas também abrem espaço para grupos oprimidos, como os negros escravizados e os povos indígenas.

O filme "A Viagem de Pedro", de Laís Bodanzky, traz Cauã Reymond no papel principal, e faz o que pode para dessacralizar o imperador. Pedro acabou de renunciar ao torno brasileiro e parte de volta a Portugal num navio inglês. Está amargurado, assustado e impotente. Tem sua masculinidade tóxica, um termo que hoje está na moda, punida de várias formas.

Ainda não sei como ele é pintado na minissérie "Independências", que estreia nesta quarta (7) na TV Cultura. Só vi o primeiro episódio, em que Pedro não aparece, numa pré-estreia para convidados que aconteceu uma semana atrás. E não posso dizer que gostei...

As imagens são belíssimas, como sói acontecer em qualquer coisa dirigida por Luiz Fernando Carvalho. Mas o programa tem zero apelo popular. É hermético, com elementos que não conversam entre si e desafiam a paciência do espectador. Eu me senti preso numa instalação da Bienal, forçado a ver um vídeo interminável.

De qualquer forma, tanto "Independências" como "A Viagem de Pedro" buscam incluir diversidade na narrativa histórica, tirando o foco exclusivo da elite branca que até hoje domina o Brasil. Esta é uma preocupação muito contemporânea, de acordo com os tempos que correm. Cada época conta a independência do jeito que lhe convém.

Tony Goes

Tony Goes (1960-2024) nasceu no Rio de Janeiro, mas viveu em São Paulo desde pequeno. Escreveu para várias séries de humor e programas de variedades, além de alguns longas-metragens. Ele também atualizava diariamente o blog que levava seu nome: tonygoes.com.br.

Final do conteúdo
  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Comentários

Ver todos os comentários Comentar esta reportagem